Segundo Gilda Neves Bittencourt , professora da UFRGS, em 2001, ao apresentar o texto a seguir, no Encontro da Anpoll em Gramado, trouxe-nos grande contribuição sobre o tema, ao afirmar que “A Crítica Literária em nosso país, sobretudo aquela praticada no âmbito universitário, vem reconhecendo cada vez mais, na atualidade, que o comparatismo é algo inerente aos próprios estudos da Literatura Brasileira, ou, mais especificamente, das investigações desenvolvidas sobre ela desde o Romantismo. Assim, muito antes de se instituir entre nós a noção de Literatura Comparada como abordagem metodológica e estudo sistemático, historiadores e críticos da literatura brasileira, ainda no século XIX, já a exerciam espontaneamente. Um exemplo típico desta prática é Tobias Barreto, um apaixonado pela literatura e a cultura alemãs que, além de abrir um curso de literatura comparada em 1886 no Recife, publicou em jornais vários ensaios críticos, os quais tencionava reunir num livro intitulado Traços de Literatura Comparada do Século XIX, que infelizmente não chegou a efetivar.
A fonte dos estudos de Tobias, como não poderia deixar de ser no século XIX, vinha da Europa, do crítico dinamarquês Georg Brandes, que o pensador brasileiro leu na sua tradução alemã. Brandes, seguindo a mesma linha dos comparatistas europeus da época, considerava somente as grandes obras como objetos de análises comparatistas. Com base nessa idéia de Brandes, Tobias ponderava que a "Literatura Comparada só podia existir nas nações cultas, pois somente elas tinham obras capazes de resistir ao confronto severo dos intercâmbios culturais." 2 Por isso, elegeu a literatura alemã como o centro das operações comparatistas, demonstrando a sua superioridade sobre as demais, revelando, nesse juízo valorativo que pressupõe uma forte dependência cultural, a mesma visão etnocêntrica encontrada nos comparatistas europeus do século XIX.
Se em Tobias Barreto há uma intenção manifesta de fazer comparatismo, em outros críticos brasileiros do século passado isto ficava implícito na metodologia de análise adotada, que era invariavelmente a de fazer referências a obras e autores estrangeiros, conforme assinala Antonio Candido, "como se a capacidade do brasileiro ficasse justificada pela afinidade tranqüilizadora com os autores europeus, participantes de literaturas antigas e ilustres, que, além de influírem na nossa, vinham deste modo dar-lhe um sentimento confortante de parentesco."3
A busca de uma filiação segura, capaz de confirmar o status literário dos nossos autores era igualmente uma manifestação de uma ótica dependente que buscava sempre o referencial europeu como parâmetro de avaliação. Esta visão, segundo os professores Eneida Maria de Souza e Wander Melo Miranda, é decorrente de uma concepção histórica evolucionista e de uma racionalidade de caráter universalista, fazendo com que a crítica lastreada nesses pressupostos, "se pautasse pelo modelo binário que se restringia à comparação exclusiva entre duas culturas, duas literaturas ou dois autores " 4 , mantendo, com isso, a hierarquização entre os termos comparados.
Nos inícios do século XX, os estudos comparatistas dispersos nas obras de críticos brasileiros adquirem uma feição ligeiramente diferenciada, no que tange às orientações da chamada "Escola Francesa". O nome de João Ribeiro é cronologicamente o primeiro a deslocar essa perspectiva tradicional , ao encarar a literatura comparada como uma atividade de "crítica histórica" e ao pensar a produção cultural nas suas relações entre o estrato "culto" (a literatura erudita) e o estrato "espontâneo" (a literatura popular), sobretudo no ensaio "Literatura Comparada", incluído em Páginas de Estética (1905), evidenciando uma postura precursora das teses defendidas anos mais tarde por René Wellek e Austin Warren em sua Teoria da Literatura (1949).
Mais adiante, críticos como Otto Maria Carpeaux, Eugênio Gomes e Augusto Meyer desenvolveram trabalhos onde o comparatismo ressalta como uma prática quase inevitável, como se os próprios textos os conduzissem a isto. O primeiro caracterizou-se sempre por uma visão crítica onde ressalta a inclinação ao confronto e à inserção da obra no conjunto das produções textuais. Carpeaux buscava sempre, nos textos analisados, afinidades, elementos comuns e convenções, usando fartamente a comparação, tanto ao escrever a conhecida História da Literatura Ocidental, como em vários ensaios críticos de sua extensa obra, preocupando-se sobremodo pela investigação das fontes e pelo confronto estilístico das obras. Eugênio Gomes rastreou as fontes da obra de Machado de Assis, em busca de suas influências inglesas.
Nesse trabalho, identifica tanto os termos de contato, de coincidência com autores ingleses, mas aponta também as modificações e adaptações introduzidas pelo autor brasileiro, refutando assim as acusações de mera imitação às obras de Swift e Sterne, feitas à obra de Machado, sobretudo pelo crítico e historiador Sílvio Romero. Augusto Meyer dedicou-se à pesquisa das fontes, sob a inspiração do trabalho realizado por Ernst Robert Curtius em Literatura Européia e Idade Média Latina (1948), cuja tradução fora editada pelo Instituto Nacional do Livro por iniciativa de Meyer. O crítico gaúcho, porém, relativiza a importância de tal metodologia, pois para ele o mais importante não era mostrar a filiação passiva, ou a coincidência com um determinado modelo, mas, sobretudo destacar as divergências, as ultrapassagens criativas, através de uma profunda análise estilística das obras. O que ressalta na visão crítica de Meyer é sobretudo "a justeza da desconfiança que demonstra em relação às sem caráter interpretativo "5, num sensível avanço em relação ao tipo de abordagem utilizada no início do século.
O que se vê, portanto, o comparatismo no Brasil, é uma prática difusa e espontânea a percorrer os ensaios críticos muito antes do surgimento da Literatura Comparada como um ramo dos estudos literários, fixado com princípios teóricos específicos, ou mesmo de sua institucionalização como disciplina acadêmica.
A introdução da Literatura Comparada na Universidade brasileira se deu ainda na década de 30, com a fundação da Faculdade Paulista de Letras e Filosofia, que previa uma disciplina de História Comparada das Literaturas Novo-Latinas. Nos anos 40, aparece pela primeira vez a cadeira de Literatura Comparada, ministrada por Tasso Silveira na Faculdade de Filosofia do Instituto Lafayette (depois Faculdade de Filosofia e Letras do Estado da Guanabara). Tasso é autor do primeiro manual de Literatura Comparada editado no Brasil (1964), onde condensou os ensinamentos que realizou como docente, revelando igualmente a sua perfeita adesão aos princípios do francês Van Tieghen, expressos na obra de 1931- La Littérature Comparée. Assim sendo, o manual de Tasso Silveira assimilou inteiramente as orientações dos mestres franceses, "cuja receita era pesquisar influências, buscar identidades, ou diferenças, restringindo o alcance da literatura comparada ao terreno das aproximações binárias e à constituição de famílias literárias."
Ainda no âmbito universitário, data de 1945 o aparecimento da primeira tese em Literatura Comparada, realizada por Antonio de Salles Campos, que estudou as origens e a evolução dos temas da primeira geração de poetas românticos brasileiros. Nos anos 50, o professor Fidelino de Figueiredo orientou uma tese sobre temas ingleses na literatura portuguesa e publicou, na Revista da Universidade de São Paulo, um ensaio sobre Shakespeare e Garrett.
7 Cf. NITRINI, Sandra. Em torno da Literatura Comparada. Boletim Bibliográfico. São Paulo: Biblioteca Mário de Andrade. Vol. 47, n. 1/4, jan./dez. 1986, p. 42.
No quadro da Literatura Comparada brasileira, tanto na sua vertente acadêmica, como na prática crítica, merece destaque o nome de Antonio Candido de Mello e Souza. Candido foi o introdutor da disciplina na Universidade de São Paulo e o criador do setor de Teoria da Literatura e Literatura Comparada, em 1962, tendo ministrado inúmeros cursos e orientado dissertações de mestrado e teses de doutorado em Literatura Comparada. Por outro lado, em sua atividade crítica e ensaística, Candido também revela uma forte inclinação comparatista, manifesta desde os seus primeiros escritos, mas explicitada quando da realização de seu conhecido trabalho de história literária, em Formação da Literatura Brasileira - Momentos Decisivos - (1957), ao definir o conceito de influência, que considera o instrumento "mais delicado, falível e perigoso de todo crítica, pela dificuldade em distinguir coincidência, influência e plágio".
O problema atinge proporções mais significativas, segundo Candido, quando a influência assume sentidos variáveis, exigindo um tratamento também diverso, já que ela pode aparecer "como transposição direta, mal assimilada, permanecendo na obra ao modo de uma corpo estranho de interesse crítico secundário"[1][9] , mas pode igualmente adquirir um significado orgânico, perdendo o caráter de empréstimo, já que é assimilada como elemento próprio, constituinte de um novo conjunto íntegro. O que preocupa o crítico Antonio Candido são, sobretudo os modos de absorção, de transformação e de afastamento dos modelos europeus e isso se faz presente em inúmeros trabalhos disseminados em sua extensa obra, caracterizando assim "uma atitude comparatista intimamente ligada com o Brasil e que encontra, por isso, uma maneira peculiar e nossa de examinar a questão".10
Seu conhecimento profundo da literatura brasileira e sua intenção de explicar o seu funcionamento como sistema articulado, levou-o a formular a "dialética do localismo e do cosmopolitismo", espécie de "lei de evolução" da nossa vida espiritual. Tal dialética se manifesta, segundo Candido, de modos diversos: "ora a afirmação premeditada e por vezes violenta do nacionalismo literário, com veleidades de criar até uma língua diversa; ora o declarado conformismo, a imitação consciente dos padrões europeus”. 11 Nesse processo, em que se integram experiência literária e espiritual, manifesta-se uma tensão permanente entre o dado local ( a substância da expressão) e os modelos herdados da tradição européia ( a forma da expressão).
Assim, tanto a nossa produção literária como a atividade crítica manifestaram sistematicamente essa postura dialética de apreensão do real. Tal atitude, identificada e definida por Antonio Candido, tem orientado boa parte dos trabalhos comparatistas desenvolvidos no Brasil. Desse modo, segundo as palavras de Tania Carvalhal, "sua obra ilustra exemplarmente uma forma legítima de comparatismo no Brasil: a do esforço empenhado na análise dos processos de transformação da colaboração européia, examinando como o individual se cruza com o coletivo, para que se possa perceber o que é peculiar à literatura aqui produzida, na expressão de seu vínculo com o país e a cultura através da qual ele se faz presente no mundo".12
Além de pensar as relações interliterárias Brasil/Europa, Candido também tem se preocupado com a inserção da literatura brasileira no contexto latino-americano, fato que constitui uma importante vertente do comparatismo aqui praticado. Para o crítico, a natureza dessa relações transcende o meramente literário por incluir motivações também de ordem político-ideológica, pois antes de tudo é preciso buscar uma união entre as nações para nos fortalecer como um conjunto onde coexistam idéias harmônicas e contrastantes. E, "ao sugerir que a busca das diferenças é tão essencial quanto a das semelhanças, salienta que importa pensar as relações em termos de América Latina com a finalidade de criar outras categorias de mediações, que nos possibilitem o encontro, não fora, mas dentro de nosso próprio território".14 Fica superada, desta forma, uma visão colonizada, orientada pelas dicotomias centro/periferia, colonizador/colonizado, substituída por uma situação de equilíbrio interno.
No final dos anos 60 e início dos 70 houve um importante impulso nos estudos de Literatura Comparada no Brasil com a introdução dos cursos regulares de pós-graduação, determinando uma produção mais sistemática de trabalhos de maior fôlego. Caracteriza essa fase, sobretudo a ausência de uma bibliografia teórica consistente em língua portuguesa, já que as obras disponíveis eram a tradução de La littératura Comparée, de Guyard, e o manual Literatura Comparada, de Tasso Silveira, que, como vimos anteriormente, seguia estritamente os princípios do francês Van Tieghen.
Entre os trabalhos desenvolvidos nessa época, alguns se destacam pelo registro de transformações e diferenças no confronto da literatura brasileira com a européia, sobretudo por contrariarem uma noção tradicional de influência, oriunda do comparatismo francês, encarada como débito, filiação, dentro de uma perspectiva etnocêntrica que privilegia a obra primeira e que considera somente a direção unilateral no sentido do original à copia, ou do influenciador ao influenciado. Em estudo sobre a história da Literatura Comparada no Brasil, a profa. Sandra Nitrini, da USP, aponta dois trabalhos apresentados como teses de doutoramento, onde esses aspectos se fazem presentes. O primeiro, Byron no Brasil, Traduções, de Onédia Barbosa (1969), estuda a moda do byronismo no romantismo brasileiro, o segundo, Astarte e a Espiral, de Maria Alice Faria (1970), analisa a presença do poeta francês Musset em Álvares de Azevedo. No primeiro, a autora consegue mostrar que o byronismo estava mais na imaginação dos tradutores do que no texto original, caracterizando uma verdadeira "aclimatação de Byron" no Brasil, já que, nas suas várias traduções brasileiras, "o poeta inglês sofre uma completa metamorfose que se processa sob a ação do classicismo, romantismo, simbolismo e realismo brasileiros".15
No segundo, a autora tenta, sem êxito, utilizar como suporte teórico o conceito de influência tradicional (escola francesa), vindo a constatar, em sua análise contrastiva dos textos do poeta brasileiro e do francês, que eles mostravam mais as diferenças do que as semelhanças. Este fato levou-a a mudar a orientação antes adotada e optar pelo conceito de "afinidade" que se mostrou mais operatório, sobretudo porque dizia respeito às biografias e aos temperamentos dos dois poetas, referindo-se, portanto, a um espaço exterior às obras poéticas. Segundo Sandra Nitrini, o trabalho ficaria bastante comprometido se não fosse por outro elemento ali presente: uma análise da tradução-interpretação do poema "Rolla", de Musset, por Álvares de Azevedo. Nela, a autora de Astarte e a Espiral consegue mostrar que o poeta brasileiro "teria lido Musset pelas lentes deformadoras da corrente byroniana no Brasil".16 Assim, o trabalho adquire uma dupla importância para o estudo da questão da influência no comparatismo brasileiro: 1) mostra que esta questão ultrapassa o mero cotejo binário, pois inclui aspectos mais amplos referentes a correntes, modas e vogas européias e locais; 2) torna evidente a verdadeira "poética de deformação" realizada por Álvares de Azevedo na tradução de Musset.
Desta forma, ao privilegiar a transformação, a autora "está pontuando, no seu discurso crítico, o pólo diferencial do conceito de influência, e por conseguinte, pelo menos nessa parte, Astarte e a Espiral escapa da visão tradicional da literatura comparada, vindo a se integrar, juntamente com Byron no Brasil, na linha do comparatismo universitário inaugurada por Antonio Candido"17, que, como vimos antes, prevê para influência um novo significado que implica deformação, e adaptação às necessidades do objeto analisado.
Ainda nos anos 70, se consolidou, na Universidade de São Paulo, o projeto Léryy-Asuu, dirigido pela professora Leyla Perrone-Moisés junto às disciplinas de língua e literatura francesas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, tendo por objetivo o estudo das marcas francesas na literatura brasileira, citando apenas uma de suas áreas de interesse nos estudos comparatistas. As inúmeras teses resultantes desse projeto demonstram o delineamento de novas linhas de pesquisa e o enriquecimento da produção intelectual brasileira nessa área de estudos.
É também a partir dos anos 70 que os estudos comparatistas recebem um impulso decisivo, não só pela já aludida institucionalização da área no âmbito universitário, como pelas contribuições teóricas que introduziram novos conceitos cuja operacionalidade se mostrou muito eficaz. Um dos mais importantes é o de intertextualidade, postulado por Mikhail Bakhtin e Julia Kristeva, que passou a desempenhar um papel fundamental, na medida em que "desfaz o preconceito de hierarquia, do débito, inerente às antigas noções de fontes e influências, assim como resgata o valor da cópia em relação ao modelo". 18
Nesse sentido, é importante ressaltar o papel da corrente de estudos semióticos, que tem em Haroldo de Campos um dos nomes mais proeminentes, e cuja ênfase está na aproximação entre tradução e antropofagia, decorrente da relação com a intertextualidade. Sob esta ótica, existe uma conscientização de nossa dívida para com as culturas dominantes, mas ela deve ser superada pela "devoração antropofágica do legado cultural estrangeiro".19
É numa visada semelhante que Silviano Santiago, sobretudo nos ensaios "Eça, autor de Madame Bovary"(1970) e "O entre-lugar do discurso latino-americano"(1971), procura deslocar o foco de análise, ao ressaltar a "originalidade da cópia e ao desfazer o primado da origem fixa da autoria, estabelecendo o conceito de "entre-lugar" com que busca romper com a "rigidez das oposições localismo versus cosmopolitismo, ou particular versus universal", estabelecendo, assim, pressupostos que contrariam algumas das premissas do comparatismo liderado pelo crítico Antonio Candido.
Para Eneida de Souza e Wander Miranda, em estudo sobre a Literatura Comparada no Brasil, a posição de Silviano Santiago não só estabelece a flexibilidade crítica, como introduz a contradição e o paradoxo, anteriormente ausentes no pensamento crítico brasileiro, imprimindo, assim, novos rumos às investigações de cunho comparatista.
Os estudos mais recentes de Literatura comparada têm-se pautado pelo "entrecruzamento" da literatura com sistemas semiológicos diversos como o cinema, a pintura, o jornalismo e a arquitetura urbana, entre outros, configurando um caráter interdisciplinar pleiteado, sobretudo, pela "Escola Norte-Americana". Segundo os críticos já citados, essa abertura para estudos de natureza cultural significa uma ampliação do horizonte comparatista na atualidade, "por descentrar o lugar hegemônico ocupado pela literatura e por avançar no sentido de introduzir novos termos de comparação". 20
O crescimento da Literatura Comparada e a sua progressiva institucionalização levaram à realização do I Seminário Latino-Americano de Literatura Comparada (Porto Alegre,1986), ocasião em que foi criada a Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC), tendo como sua primeira presidente a Profa. Tania Franco Carvalhal, da UFRGS. O nascimento da instituição deu-se, segundo a Profa. Neide de Faria uma das criadoras da Associação, num momento em que já se consolidara uma reflexão própria sobre as relações inter-literárias e em que já havia uma massa crítica consistente capaz de formular, de forma madura, a natureza dos processos de transformação e de assimilação por que passou a literatura brasileira no seu confronto com as estrangeiras. Justamente pelo conhecimento desse processo e da reflexão dele resultante, já havia condições de adotar uma postura conciliadora entre uma visão tradicional que implicava dependência cultural, e uma atitude nacionalista e chauvinista que negava radicalmente as premissas anteriores, advindas do comparatismo francês, sobretudo.
Ao usar, nos cartazes e folders do Seminário que criou a ABRALIC, um fragmento de uma cena canibalesca estampada na reedição da Revista de Antropofagia (1976), buscava-se, segundo Tania Carvalhal, "recriar o espírito de utopia que imantava a publicação e o Movimento e, sobretudo, chamar a atenção para o procedimento de assimilação que neles eram implícitos". 21
Esta foi a forma encontrada para configurar uma reflexão autenticamente brasileira de Literatura Comparada, que se vincula igualmente a um modo latino-americano de pensar as relações interliterárias, e que se faz presente nos inúmeros projetos que se desenvolvem a partir de então.
Desde o seu surgimento, a ABRALIC já realizou sete congressos nacionais: Porto Alegre, 1988, Belo Horizonte, 1990, Niterói, 1992, São Paulo, 1994, Rio de Janeiro, 1996, Florianópolis, 1998 e Salvador, 2000. Todos eles contaram invariavelmente com a participação de analistas estrangeiros de grande renome e com um número cada vez maior de pesquisadores nacionais, consolidando com isso a sua condição de Fórum maior de discussões da área de literatura em nosso país.
No ano seguinte à criação da Associação Nacional, foi criado o GT de Literatura Comparada no âmbito da ANPOLL – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Letras e Lingüística (1987), solidificando-a também como campo de pesquisa em nível de pós-graduação. Em pouco tempo, o GT obteve a adesão de inúmeros pesquisadores, confirmando o interesse despertado pelos estudos comparatistas, então em significativa expansão em nosso país. A crescente demanda de ingresso no GT acabou por se tornar um problema, tendo em vista a sistemática praticada e a própria filosofia de trabalho da ANPOLL. O que deveria ser um encontro para discutir projetos acadêmicos e trocar informações sobre pesquisas na área, estava se transformando em um mini-congresso em que os membros do GT limitavam-se à apresentação de seus “papers”.
Foi a constatação desse fato que originou, durante o Congresso da ANPOLL, de 1996, em João Pessoa, a implantação de linhas de pesquisa, dentro do GT, que veio a se constituir, segundo as palavras do Prof.Reinaldo Marques, ex-coordenador do GT, em estratégia positiva e eficaz , como forma de lidar com o grande número de pesquisadores; além disso, ao introduzir o viés temático nas discussões do GT, as linhas viabilizaram uma nova organização nas reuniões de trabalho do GT, rompendo com o modelo anterior. Após quase cinco anos de existência, pode-se dizer que a organização por linhas de pesquisa ainda se encontra em fase de consolidação, algumas podem ser consideradas como plenamente solidificadas, como é o caso dos “Limiares Críticos” que realiza, em Dourados, o seu terceiro Encontro, a linha “Memória e Representação Literária na América Latina”, que tem demonstrado um dinamismo muito grande, com uma interlocução constante e produtiva entre os seus componentes.
Diferentemente dos demais GTs da ANPOLL que são temáticos, e em certos casos, de temática bastante restrita, o GT de Literatura Comparada constitui-se num “campo disciplinar” com todas as implicações de amplitude e diversidade, onde se inclui a pluralidade do objeto de estudo, aliada à transdiscursividade e multidisciplinaridade que caracterizam o comparatismo literário na atualidade. Esta diversidade pode ser avaliada pela leitura dos textos produzidos para o XV Encontro Nacional da ANPOLL, de Niterói,(2000), disponibilizados na home page do GT, criada na gestão anterior pelo Prof. Reinaldo Marques e seu vice e web master, Prof. Gustavo Krause. Trata-se de uma boa amostragem da natureza intertextual, interdisciplinar e multicultural peculiar às mais recentes pesquisas em termos de comparatismo literário em nosso país. Ali podem ser encontrados estudos envolvendo relações entre Literatura e História, Literatura e Biografia, Literatura e Cinema, Literatura e jornal ou então investigações intertextuais referentes ao diálogo entre autores ou obras, ou entre obras de autores de nacionalidades e tempos históricos distintos, ou mesmo estudos que focalizam inter-relacionamentos ou contrastes entre sistemas literários latino-americanos ou mesmo imbricamentos ou relações limítrofes entre gêneros e formas literárias. Incluem-se também nesse conjunto, ensaios voltados a questões mais amplas da cultura e da vida social que não priorizam a literatura como centro de investigação, mas a encaram como mais um fato ou manifestação no conjunto dos processos culturais.
O espectro amplo pelo qual transitam as pesquisas do GT é uma clara demonstração da pujança dos atuais estudos de Literatura Comparada nos meios acadêmicos brasileiros e o interesse crescente que a área vem despertando entre professores e alunos de pós-graduação, sobretudo pelo rico potencial investigatório que oferece por sua natureza interdisciplinar. Com isso, a Literatura Comparada se consolida cada vez mais como um ramo importante de investigação literária capaz de propiciar significativos avanços na sua área de conhecimento.
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Claridade) Revista
NOTAS
2 FARIA, Gentil de. Tobias Barreto e a Literatura Comparada. In: Anais do II Congresso ABRALIC. Belo Horizonte: UFMG, 1991, p.27.
3 CANDIDO, Antonio. Op. cit., p 17.
4 SOUZA, Eneida M. de e MIRANDA, Wander Melo. Perspectivas da Literatura Comparada no Brasil. In: CARVALHAL, Tania F., org. Literatura Comparada no Mundo: Questões e Métodos. Porto Alegre: L&PM/VITAE/AILC, 1997, p. 40.
4 Cf, CARVALHAL, Tania Franco. Literatura Comparada. São Paulo: Ática, 1986, p.23.
5 Idem, ibidem, p. 27.
6 Idem, ibidem, p. 20.
8 CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira (Momentos Decisivos). 5.ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP,1975, Vol. 1, p.37.
[1][1] Idem, ibidem, p. 38.
10 CARVALHAL, Tania Franco. Antonio Candido e a Literatura Comparada no Brasil. Anais do I Congresso ABRALIC. Porto Alegre: UFRGS, 1988, vol. 1, p. 15.
11 CANDIDO, Antonio. Literatura e Cultura de 1900 a 1945. In: ___. Literatura e Sociedade. 5.ed. São Paulo: Editora Nacional, 1976, p. 109.
12 CARVALHAL, Tania. Antonio Candido e a Literatura Comparada no Brasil. Ibidem, p. 16.
14 CARVALHAL, Tania. Antonio Candido e a Literatura Comparada no Brasi.Ibidem, p. 16.
15 NITRINI, Sandra.Literatura Comparada no Brasil - um fragmento de sua História. Anais do II Congresso ABRALIC. Belo Horizonte: UFMG, 1991,p.214.
16 Idem, ibidem, p. 216.
17 Idem, ibidem, p. 217.
18 SOUZA, Eneida e MIRANDA, Wander. Op. Cit., p. 41.
19 Idem, ibidem, p. 43.
19 Idem, ibidem, p. 49-50.
20 Idem,ibidem,p.52
20 CARVALHAL, Tanis. Dez anos de ABRALIC (1986-1996): elementos para sua história. Organon, vol. 10, nº 24. Porto alegre: UFRGS, 1996, p. 16.
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Agradecida,
Profa. Generosa Souto