Olhos Nos Olhos, de Chico Buarque
Quando você me deixou, meu bem
Me disse pra ser feliz e passar bem
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci
Mas depois, como era de costume, obedeci
Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer
Olhos nos olhos
Quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais
E que venho até remoçando
Me pego cantando, sem mais, nem por quê
Tantas águas rolaram
Quantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você
Quando talvez precisar de mim
Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim
Olhos nos olhos
Quero ver o que você diz
Quero ver como suporta me ver tão feliz.
Tatuagem, de Chico Buarque e Ruy Guerra
Quero ficar no teu corpo
Feito tatuagem
Que é prá te dar coragem
Prá seguir viagem
Quando a noite vem...
E também prá me perpetuar
Em tua escrava
Que você pega, esfrega
Nega, mas não lava...
Quero brincar no teu corpo
Feito bailarina
Que logo se alucina
Salta e te ilumina
Quando a noite vem...
E nos músculos exaustos
Do teu braço
Repousar frouxa, murcha
Farta, morta de cansaço...
Quero pesar feito cruz
Nas tuas costas
Que te retalha em postas
Mas no fundo gostas
Quando a noite vem...
Quero ser a cicatriz
Risonha e corrosiva
Marcada a frio
Ferro e fogo
Em carne viva...
Corações de mãe, arpões
Sereias e serpentes
Que te rabiscam
O corpo todo
Mas não sentes...
MinhaSenhora, de Gilberto Gil e Torquato Neto
Onde é que você mora
Em que parte desse mundo
Em que cidade escondida
Dizei-me que sem demora
Lá também quero morar
Onde fica essa morada
Em que reino, qual parada
Dizei-me por qual estrada
É que eu devo caminhar
Minha senhora
Onde é que você mora
Venho da beira da praia
Tantas prendas que eu lhe trago
Pulseira, sandália e saia
Sem saber como entregar
Você É Linda, de Caetano Veloso
Fonte de mel
Nos olhos de gueixa
Kabuki, máscara
Choque entre o azul
E o cacho de acácias
Luz das acácias
Você é mãe do sol
A sua coisa é toda tão certa
Beleza esperta
Você me deixa a rua deserta
Quando atravessa
E não olha pra trás
Linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer
E diz
Você é linda
Mais que demais
Vocé é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim
Você é forte
Dentes e músculos
Peitos e lábios
Você é forte
Letras e músicas
Todas as músicas
Que ainda hei de ouvir
No Abaeté
Areias e estrelas
Não são mais belas
Do que você
Mulher das estrelas
Mina de estrelas
Diga o que você quer
Você é linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer
E diz
Você é linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim
Gosto de ver
Você no seu ritmo
Dona do carnaval
Gosto de ter
Sentir seu estilo
Ir no seu íntimo
Nunca me faça mal
Linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim
Você é linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer
E diz...
CANTIGAS DO MEDIEVO
Cantiga de amigo de Martim Codax (paralelística)
AMIGO - D. Dinis
Ai flores, ai flores do verde pinho
se sabedes novas do meu amigo,
ai deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado,
ai deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
aquele que mentiu do que pôs comigo,
ai deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado,
aquele que mentiu do que me há jurado
ai deus, e u é?
Cantiga da Ribeirinha, de Paio Soares de Taveirós
Esta cantiga de Paio Soares de Taveirós é considerada o mais antigo texto escrito em galego-português: 1189 ou 1198, portanto fins do século XII. Uns a tomam por cantiga de amor; outros por de escárnio. Estaria completa? Segundo consta, foi dedicado a D. Maria Paes Ribeiro - apelidada "A Ribeirinha", amante do rei D. Sancho I - e pertence a uma coleção de textos arcaicos denominada Cancioneiro da Ajuda.
"No mundo nom me sei parelha,
mentre me for' como me vai,
ca ja moiro por vos - e ai
mia senhor branca e vermelha,
queredes que vos retraia
quando vos eu vi em saia!
Mao dia que me levantei, que vos enton nom vi fea! "
No mundo ninguém se assemelha a mim / enquanto a minha vida continuar como vai / porque morro por ti e ai / minha senhora de pele alva e faces rosadas, / quereis que eu vos descreva (retrate) / quanto eu vos vi sem manto (saia : roupa íntima) / Maldito dia! me levantei / que não vos vi feia (ou seja, viu a mais bela).
"E, mia senhor, des aquel di' , ai!
me foi a mim muin mal,
e vós, filha de don Paai
Moniz, e ben vos semelha
d'aver eu por vós guarvaia,
pois eu, mia senhor, d'alfaia
nunca de vós ouve nem ei
valia d'ua correa".
E, minha senhora, desde aquele dia, ai / tudo me foi muito mal / e vós, filha de don Pai / Moniz, e bem vos parece / de ter eu por vós guarvaia (guarvaia: roupas luxuosas) / pois eu, minha senhora, como mimo (ou prova de amor) de vós nunca recebi / algo, mesmo que sem valor.
Espaço de Leitura e Literatura Brasileira em diálogo com outras literaturas e outras mídias
terça-feira, 30 de março de 2010
domingo, 28 de março de 2010
CANTIGAS LÍRICAS
As primeiras obras literárias portuguesas são elaboradas em versos: são poemas. Como ainda não há imprensa nessa época, os poemas medievais são orais e com acompanhamento musical, recebendo, por isso, o nome de CANTIGAS ou TROVAS. As cantigas são divulgadas nas ruas, nas praças, nas festas, nos palácios; para facilitar sua memorização e divulgação, as cantigas são elaboradas com versos curtos que não seguem necessariamente as normas da Versificação e que se repetem pelo poema; além disso, a linguagem das cantiga é extremamente fácil, pois, a língua falada em Portugal é o GALEGO-PORTUGUÊS, uma língua simples e ingênua.
A primeira obra literária portuguesa de que se tem notícia data de 1189: a cantiga "A RIBEIRINHA", de autoria de Paio Soares de Taveirós, uma cantiga de amor em homenagem a Maria Paes Ribeiro; como os poetas não podiam revelar o nome das suas amadas nas cantigas de amor e como a homenageada era casada, o autor dessa cantiga se inspirou no sobrenome da amada para nomear sua obra. É das palavras TROVA e TROVADOR ( poeta nobre que faz trovas) que deriva o nome mais comum que se dá a toda Literatura Portuguesa elaborada na Idade Média: TROVADORISMO.
As primeiras cantigas ou trovas medievais portuguesas são inspiradas nas cantigas que há muito tempo já eram feitas em Provença, no sul da França; por isso, a Literatura Medieval Portuguesa também é chamada de LITERATURA PROVENÇAL. Apesar de oito séculos terem se passado, as cantigas continuam existindo: basta ligarmos o rádio e ouviremos POEMAS ORAIS (cantados) ACOMPANHADOS DE MÚSICA.
2. Tipos de cantigas
2.1. CANTIGA DE AMOR: o eu-lírico é masculino; o conteúdo dessas cantigas consiste numa declaração de amor a uma mulher. Nessa declaração:
- o homem revela seu amor platônico, pois tal amor não pode ser correspondido pela amada, já que ela é casada, ou mais rica que ele, etc, ou seja, existe pelo menos um obstáculo impossível de ser superado para que o amor entre ambos se concretize;
- diante da impossibilidade de que seu amor seja correspondido pela amada, o eu-lírico diz se contentar pelo menos em ver a amada e, caso nem isso seja possível, ele prefere morrer;
- a amada é sempre idealizada, divinizada e cultuada;
- a amada é tratada pelo pronome SENHORA.
- Para compensar a mulher das desvantagens por ela sofridas na sociedade patriarcal, no relacionamento amoroso o homem finge-se inferior a ela e, numa atitude de VASSALAGEM, passa a tratá-la com a mesma cortesia, respeito e submissão com que trata seu senhor feudal nas relações sociais ( no seu dia a dia): em suma, no relacionamento amoroso, a mulher aparece como SUPERIOR ao homem.
- Há alguns estudiosos que levantam a possibilidade de que o homem trata a mulher por SENHORA, no relacionamento amoroso, visto que ela adquire um caráter divino e é cultuada por ele como se cultua uma deusa, uma santa ( como se ela fosse Nossa SENHORA, mãe de Jesus); de qualquer forma, essas duas possibilidades mostram que o homem transfere para o relacionamento amoroso as práticas mais importantes de seu dia a dia: a de vassalagem e a de religiosidade extrema;
- o nome da amada não é revelado; As cantigas de amor, portanto, apresentam um conteúdo que expressa tristeza, solidão, amor platônico, desejos não realizados, etc, ou seja, possui "tom" triste: pertencem ao GÊNERO LÍRICO e , pelo conteúdo melancólico, são ELEGIAS.
2.2. CANTIGA DE AMIGO : o eu-lírico é feminino.
- Consiste num desabafo da mulher acerca da vida (terrível) que leva numa sociedade patriarcal e/ou na declaração de amor pelo seu amigo (seu namorado) e da saudade e do ciúme que sente dele, já que lhes falta liberdade para seus encontros.
- Tal desabafo normalmente é dirigido a outra mulher ( sua mãe, irmã, amiga, etc, que a entende, pois passa pelos mesmos dissabores), a Deus ou a algum elemento da natureza ( mar, árvores, céu, etc).
– As cantigas de amor, as cantigas de amigo também possuem conteúdo melancólico: são do Gênero Lírico - elegias.
- A informação mais curiosa que se tem a respeito das cantigas de amigo, porém, é a de que elas são elaboradas por homens.
- Ao que parece, eles penetram e entendem a alma feminina tanto quanto ou, às vezes, até mais que certas mulheres.
3. Os "Cancioneiros"
CANCIONEIROS são "arquivos" onde são encontradas algumas das cantigas medievais portuguesas (as que foram compiladas e guardadas). Conhecem-se 3 Cancioneiros de poemas em galego-português:
3.1."CANCIONEIRO DA AJUDA", encontrado no Convento da Ajuda, é o mais antigo dos Cancioneiros; provavelmente copiado em fins do séc. XIII, possui 310 cantigas, sendo que 304 delas são cantigas de amor. É considerado o mais incompleto dos 3 Cancioneiros, pois não contém os poemas do rei-trovador D. Dinis, mas é um documento valioso, pela grafia e partituras originais.
3.2. "CANCIONEIRO DA BIBLIOTECA NACIONAL DE LISBOA" ou "CANCIONEIRO COLOCCI- BRANCUTI" , é o mais completo dos Cancioneiros galego-portugueses: possui 1647 cantigas de todos os tipos; encontrado primeiramente na biblioteca do Conde italiano Brancuti, no século XVI o Cancioneiro passou a pertencer ao humanista italiano Angelo Colocci ; em 1880, o Cancioneiro foi vendido à Biblioteca Nacional de Lisboa, onde se encontra até hoje.
3.3. "CANCIONEIRO DA VATICANA". Pesquisando a biblioteca papal, Fernando Wolf descobriu esse Cancioneiro de 1205 cantigas, dentre elas as de D. Dinis , que aparecem também no "Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa". Graças à existência desses Cancioneiros que temos hoje exemplos de cantigas medievais portuguesas, mesmo que a maioria delas sejam de autoria de poetas nobres e que as mais populares (e, por isso, bem interessantes) perderam-se no tempo.
4.Pessoas envolvidas na elaboração/apresentação das cantigas portuguesas
Há denominações diferentes para o poeta nobre e para o poeta plebeu: . Poeta nobre: é o TROVADOR / Poeta plebeu: é o JOGRAL Caso o poeta não tenha conhecimentos musicais para o acompanhamento do poema, ele pede a colaboração de alguém que é apenas COMPOSITOR: o MENESTREL. O poeta também deve ter boa voz para apresentação da cantiga, já que ela é um poema ORAL; mas caso o poeta não possui tais dotes fônicos, ele pede a colaboração de um CANTOR: o SEGREL.
5. Características gerais da Literatura Medieval Portuguesa:
5.1. SUBJETIVIDADE: a poesia medieval portuguesa é lírica, predominando a função emotiva da linguagem, ou seja, seu conteúdo expressa as emoções, os sentimentos, a visão de mundo do emissor ( do eu-lírico), marcadas no texto através de palavras na 1a. pessoa (verbos, pronomes), das interjeições, das exclamações;
5.2. TEOCENTRISMO: o eu-lírico expressa sua religiosidade extrema através da palavra Deus - sempre presente nas cantigas- dos nomes de santos, de elementos do Cristianismo, festas e lugares santos, etc.
.3. CONVENCIONALISMO: todo o convencionalismo social está marcado nas cantigas medievais através da presença de pronomes e verbos na 2a. pessoa do plural e dos pronomes de tratamento : senhora, dom, dona, amigo, etc.
5.4. SUPERIORIDADE FEMININA NO AMOR: como já foi visto, nas cantigas de amor (às vezes até em outras), ao declarar-se à amada, o homem finge-se inferior, submisso a ela (VASSALAGEM): ela é cultuada como um ser superior, divino, ao contrário do que acontece na realidade;
5.5. PATRIARCALISMO: marcado nas cantigas medievais através do desabafo que o eu-lírico feminino faz nas cantigas de amigo a outra mulher, à natureza ou a Deus.
Como se pode notar, as cantigas medievais portuguesas contém marcas do tipo de cultura, do momento em que elas foram elaboradas: elas são, portanto, verdadeiros documentos de época (documentos históricos).
A primeira obra literária portuguesa de que se tem notícia data de 1189: a cantiga "A RIBEIRINHA", de autoria de Paio Soares de Taveirós, uma cantiga de amor em homenagem a Maria Paes Ribeiro; como os poetas não podiam revelar o nome das suas amadas nas cantigas de amor e como a homenageada era casada, o autor dessa cantiga se inspirou no sobrenome da amada para nomear sua obra. É das palavras TROVA e TROVADOR ( poeta nobre que faz trovas) que deriva o nome mais comum que se dá a toda Literatura Portuguesa elaborada na Idade Média: TROVADORISMO.
As primeiras cantigas ou trovas medievais portuguesas são inspiradas nas cantigas que há muito tempo já eram feitas em Provença, no sul da França; por isso, a Literatura Medieval Portuguesa também é chamada de LITERATURA PROVENÇAL. Apesar de oito séculos terem se passado, as cantigas continuam existindo: basta ligarmos o rádio e ouviremos POEMAS ORAIS (cantados) ACOMPANHADOS DE MÚSICA.
2. Tipos de cantigas
2.1. CANTIGA DE AMOR: o eu-lírico é masculino; o conteúdo dessas cantigas consiste numa declaração de amor a uma mulher. Nessa declaração:
- o homem revela seu amor platônico, pois tal amor não pode ser correspondido pela amada, já que ela é casada, ou mais rica que ele, etc, ou seja, existe pelo menos um obstáculo impossível de ser superado para que o amor entre ambos se concretize;
- diante da impossibilidade de que seu amor seja correspondido pela amada, o eu-lírico diz se contentar pelo menos em ver a amada e, caso nem isso seja possível, ele prefere morrer;
- a amada é sempre idealizada, divinizada e cultuada;
- a amada é tratada pelo pronome SENHORA.
- Para compensar a mulher das desvantagens por ela sofridas na sociedade patriarcal, no relacionamento amoroso o homem finge-se inferior a ela e, numa atitude de VASSALAGEM, passa a tratá-la com a mesma cortesia, respeito e submissão com que trata seu senhor feudal nas relações sociais ( no seu dia a dia): em suma, no relacionamento amoroso, a mulher aparece como SUPERIOR ao homem.
- Há alguns estudiosos que levantam a possibilidade de que o homem trata a mulher por SENHORA, no relacionamento amoroso, visto que ela adquire um caráter divino e é cultuada por ele como se cultua uma deusa, uma santa ( como se ela fosse Nossa SENHORA, mãe de Jesus); de qualquer forma, essas duas possibilidades mostram que o homem transfere para o relacionamento amoroso as práticas mais importantes de seu dia a dia: a de vassalagem e a de religiosidade extrema;
- o nome da amada não é revelado; As cantigas de amor, portanto, apresentam um conteúdo que expressa tristeza, solidão, amor platônico, desejos não realizados, etc, ou seja, possui "tom" triste: pertencem ao GÊNERO LÍRICO e , pelo conteúdo melancólico, são ELEGIAS.
2.2. CANTIGA DE AMIGO : o eu-lírico é feminino.
- Consiste num desabafo da mulher acerca da vida (terrível) que leva numa sociedade patriarcal e/ou na declaração de amor pelo seu amigo (seu namorado) e da saudade e do ciúme que sente dele, já que lhes falta liberdade para seus encontros.
- Tal desabafo normalmente é dirigido a outra mulher ( sua mãe, irmã, amiga, etc, que a entende, pois passa pelos mesmos dissabores), a Deus ou a algum elemento da natureza ( mar, árvores, céu, etc).
– As cantigas de amor, as cantigas de amigo também possuem conteúdo melancólico: são do Gênero Lírico - elegias.
- A informação mais curiosa que se tem a respeito das cantigas de amigo, porém, é a de que elas são elaboradas por homens.
- Ao que parece, eles penetram e entendem a alma feminina tanto quanto ou, às vezes, até mais que certas mulheres.
3. Os "Cancioneiros"
CANCIONEIROS são "arquivos" onde são encontradas algumas das cantigas medievais portuguesas (as que foram compiladas e guardadas). Conhecem-se 3 Cancioneiros de poemas em galego-português:
3.1."CANCIONEIRO DA AJUDA", encontrado no Convento da Ajuda, é o mais antigo dos Cancioneiros; provavelmente copiado em fins do séc. XIII, possui 310 cantigas, sendo que 304 delas são cantigas de amor. É considerado o mais incompleto dos 3 Cancioneiros, pois não contém os poemas do rei-trovador D. Dinis, mas é um documento valioso, pela grafia e partituras originais.
3.2. "CANCIONEIRO DA BIBLIOTECA NACIONAL DE LISBOA" ou "CANCIONEIRO COLOCCI- BRANCUTI" , é o mais completo dos Cancioneiros galego-portugueses: possui 1647 cantigas de todos os tipos; encontrado primeiramente na biblioteca do Conde italiano Brancuti, no século XVI o Cancioneiro passou a pertencer ao humanista italiano Angelo Colocci ; em 1880, o Cancioneiro foi vendido à Biblioteca Nacional de Lisboa, onde se encontra até hoje.
3.3. "CANCIONEIRO DA VATICANA". Pesquisando a biblioteca papal, Fernando Wolf descobriu esse Cancioneiro de 1205 cantigas, dentre elas as de D. Dinis , que aparecem também no "Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa". Graças à existência desses Cancioneiros que temos hoje exemplos de cantigas medievais portuguesas, mesmo que a maioria delas sejam de autoria de poetas nobres e que as mais populares (e, por isso, bem interessantes) perderam-se no tempo.
4.Pessoas envolvidas na elaboração/apresentação das cantigas portuguesas
Há denominações diferentes para o poeta nobre e para o poeta plebeu: . Poeta nobre: é o TROVADOR / Poeta plebeu: é o JOGRAL Caso o poeta não tenha conhecimentos musicais para o acompanhamento do poema, ele pede a colaboração de alguém que é apenas COMPOSITOR: o MENESTREL. O poeta também deve ter boa voz para apresentação da cantiga, já que ela é um poema ORAL; mas caso o poeta não possui tais dotes fônicos, ele pede a colaboração de um CANTOR: o SEGREL.
5. Características gerais da Literatura Medieval Portuguesa:
5.1. SUBJETIVIDADE: a poesia medieval portuguesa é lírica, predominando a função emotiva da linguagem, ou seja, seu conteúdo expressa as emoções, os sentimentos, a visão de mundo do emissor ( do eu-lírico), marcadas no texto através de palavras na 1a. pessoa (verbos, pronomes), das interjeições, das exclamações;
5.2. TEOCENTRISMO: o eu-lírico expressa sua religiosidade extrema através da palavra Deus - sempre presente nas cantigas- dos nomes de santos, de elementos do Cristianismo, festas e lugares santos, etc.
.3. CONVENCIONALISMO: todo o convencionalismo social está marcado nas cantigas medievais através da presença de pronomes e verbos na 2a. pessoa do plural e dos pronomes de tratamento : senhora, dom, dona, amigo, etc.
5.4. SUPERIORIDADE FEMININA NO AMOR: como já foi visto, nas cantigas de amor (às vezes até em outras), ao declarar-se à amada, o homem finge-se inferior, submisso a ela (VASSALAGEM): ela é cultuada como um ser superior, divino, ao contrário do que acontece na realidade;
5.5. PATRIARCALISMO: marcado nas cantigas medievais através do desabafo que o eu-lírico feminino faz nas cantigas de amigo a outra mulher, à natureza ou a Deus.
Como se pode notar, as cantigas medievais portuguesas contém marcas do tipo de cultura, do momento em que elas foram elaboradas: elas são, portanto, verdadeiros documentos de época (documentos históricos).
quarta-feira, 24 de março de 2010
PROSA MEDIEVAL: NOVELAS DE CAVALARIA
NOVELAS DE CAVALARIA São narrativas literárias em capítulos que contam os grandes feitos de um herói (acompanhado de seus cavaleiros), entremeados de célebres histórias de amor.
Tais histórias de amor não são melancólicas e platônicas como o que aparece nas cantigas: o herói cultua a amada, mas não se contenta apenas em vê-la; ele quer e é correspondido pela amada, que por ser casada (ou religiosa: "casada com Cristo"), torna-se adúltera para concretizar o seu amor; os obstáculos incentivam o herói na fase de conquista (o que é proibido é mais gostoso), ao invés de torná-lo impotente como acontece nas cantigas; a esse amor físico, adúltero, presente nas novelas e xácaras medievais, dá-se o nome de AMOR CORTÊS, em que o casal central não tem final feliz e é severamente punido pelo pecado cometido.
Nesses episódios eróticos são revelados até relacionamentos homossexuais ( rei Artur e Lancelote, rei Ricardo Coração de Leão...)
Os heróis medievais não têm a força física exagerada dos heróis da Antigüidade, mas são sempre jovens, belos e elegantes. Suas amadas são sempre "as mais belas do reino". A maioria das novelas de cavalaria portuguesas são traduções ou adaptações de novelas francesas ou inglesas. Dependendo de quem é o herói principal da novela, ela faz parte de um dos seguintes CICLOS:
a) CICLO GRECO-ROMANO OU CLÁSSICO: conjunto de novelas de cavalaria que narram as façanhas de heróis da Antigüidade;
b) CICLO CAROLÍNGEO OU FRANCÊS: novelas cujo herói é Carlos Magno;
c) CICLO ARTURIANO OU BRETÃO: as novelas deste ciclo são as mais famosas, adaptadas e traduzidas; o herói dessas novelas é o Rei Artur , sempre acompanhado de seus célebres cavaleiros da távola redonda.
Essa "MATÉRIA DA BRETANHA" é uma das fontes que dão origem às novelas de cavalaria portuguesas: tanto que as novelas portuguesas mais importantes pertencem ao Ciclo Arturiano ou Bretão, como "José de Arimatéia", "História de Merlin", etc. As novelas mais marcantes porém são:
a)"A DEMANDA DO SANTO GRAAL" : narra a busca do cálice sagrado pelo rei Artur e os cavaleiros da távola redonda;
b)"AMADIS DE GAULA", de autoria de Vasco ou João da Lobeira.
As novelas de cavalaria portuguesas também são inspiradas nas CANÇÕES DE GESTA francesas (cantigas que homenageavam os heróis e seus feitos). A prosa medieval portuguesa, como se pode concluir, é predominantemente do GÊNERO ÉPICO.
A Literatura Medieval Portuguesa expressa a simplicidade, a ingenuidade e a passividade do homem medieval e contém marcas do contexto em que foi produzida. Completamente dominado pelo medo do pecado e com o objetivo de agradar sempre a Deus, o homem medieval ainda consegue fazer uma literatura que em determinados momentos rompe com esse domínio: é o caso das novelas de cavalaria, dos romances ou xácaras. O segundo período medieval vai mostrar que esse "rompimento" vai aumentando com o passar do tempo, até que o homem consegue sair das TREVAS MEDIEVAIS definitivamente.
Visite , no link abaixo,a Dissertação de Mestrado em Letras de Cristina Helena Carneiro
BRUXAS E FEITICEIRAS EM NOVELAS DE CAVALARIA DO CICLO ARTURIANO: O REVERSO DA FIGURA FEMININA?
http://www.ple.uem.br/defesas/pdf/chcarneiro.pdf
Visite e leia “ O imaginário cristão nas novelas de cavalaria e nas cantigas de amor, de Hilda Magalhães(Faça downlound)
http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2227063
NOVELAS: A Demanda do Santo Graal
http://auladeliteraturaportuguesa.blogspot.com/2009/05/demanda-do-santo-graal.html
Demanda do Santo Graal é a adaptação e a tradução das novelas francesas que tinham como tema as aventuras do Rei Artur e dos cavaleiros da Távola Redonda. Entre esses cavaleiros, sobressaem Lançarote do Lago, Boors de Gaunes, Galvão, Perceval e Galaaz. Este último era filho de Lançarote e tinha por missão encontrar o Santo Graal, isto é, o vaso onde fora recolhido o sangue de Cristo na cruz e que estava escondido no castelo de Corbenic, na Britânia. O manuscrito português encontra-se na Biblioteca Nacional de Viena (catalogado com o número 2594) e contém várias redacções feitas entre os séculos XIII e XV. É considerado o mais fiel e o mais completo de todos os que contêm as novelas do chamado Ciclo Bretão.
Edições da obra: Augusto Magne, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1944; Augusto Magne, Rio de Janeiro, 1955-1970, 2 vols.; Joseph Maria Piel, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1988; Irene Freire Nunes, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1995.
DEMANDA DO SANTO GRAAL
Véspera de Pinticoste foi grande gente assüada em Camaalot, assi que podera homem i veer mui gram gente, muitos cavaleiros e muitas donas mui bem guisadas. El-rei, que era ende mui ledo, honrou-os muito e feze-os mui bem servir; e toda rem que entendeo per que aquela corte seeria mais viçosa e mais leda, todo o fez fazer.
Aquel dia que vos eu digo, direitamente quando queriam poer as mesas – esto era ora de noa – aveeo que üa donzela chegou i, mui fremosa e mui bem vestida. E entrou no paaço a pee, como mandadeira. Ela começou a catar de üa parte e da outra, pelo paaço; e perguntavam-na que demandava.
– Eu demando – disse ela – por Dom Lançarot do Lago. É aqui?
– Si, donzela – disse üu cavaleiro. Veede-lo: stá aaquela freesta, falando com Dom Gualvam.
Ela foi logo pera el e salvô-o. Ele, tanto que a vio, recebeo-a mui bem e abraçou-a, ca aquela era üa das donzelas que moravam na Insoa da Lediça, que a filha Amida del-rei Peles amava mais que donzela da sua companha i.
– Ai, donzela! – disse Lançalot –que ventura vos adusse aqui, que bem sei que sem razom nom veestes vós?
– Senhor, verdade é; mais rogo-vos, se vos aprouguer, que vaades comigo aaquela foresta de Camaalot; e sabede que manhãa, ora de comer, seeredes aqui.
– Certas, donzela – disse el – muito me praz; ca teúdo e soom de vos fazer serviço em tôdalas cousas que eu poder.
Entam pedio suas armas. E quando el-rei vio que se fazia armar a tam gram coita, foi a el com a raïa e disse-lhe:
– Como leixar-nos queredes a atal festa, u cavaleiros de todo o mundo veem aa corte, e mui mais ainda por vos veerem ca por al – deles por vos veerem e deles por averem vossa companha?
– Senhor, – disse el – nom vou senam a esta foresta com esta donzela que me rogou; mais cras, ora de terça, seerei aqui.
Entom se saío Lançarot do Lago e sobio em seu cavalo, e a donzela em seu palafrem; e forom com a donzela dous cavaleiros e duas donzelas. E quando ela tornou a eles, disse-lhes:
– Sabede que adubei o por que viim: Dom Lançarot do Lago se irá comnosco.
Entam se filharom andar e entrarom na foresta; e nom andarom muito per ela que chegarom a casa do ermitam que soía a falar com Gualaz. E quando el vio Lançarot ir é a donzela, logo soube que ia pera fazer Gualaaz cavaleiro, e leixou sua irmida por ir ao mosteiro das donas, ca nom queria que se fosse Gualaaz ante que o el visse, ca bem sabia que, pois se el partia dali, que nom tornaria i, ca lhe convenria e, tanto que fosse cavaleiro, entrar aas venturas do reino de Logres. E por esto lhe semelhava que o avia perdudo e que o nom veeria a meude, e temia, ca avia em ele mui grande sabor, porque era santa cousa e santa creatura.
Quando eles cheguarom aa abadia, levarom Lançarot pera üa camara, e desarmarom-no. E vëo a ele a abadessa com quatro donas, e adusse consigo Gualaaz: tam fremosa cousa era, que maravilha era; e andava tam bem vesådo, que nom podia milhor. E a abadessa chorava muito com prazer. Tanto que vio Lançarot, disse-lhe:
– Senhor, por Deos, fazede vós nosso novel cavaleiro, ca nom queriamos que seja cavaleiro por mão doutro; ca milhor cavaleiro ca vós nom no pode fazer cavaleiro; ca bem crcemos que ainda seja tam bõo que vos acharedes ende bem, e que será vossa honra de o fazerdes; e se vos el ende nom rogasse, vó-lo devíades de fazer, ca bem sabedes que é vosso filho.
– Gualaaz – disse Lançalot – queredes vós seer cavaleiro?
El respondeo baldosamente:
– Senhor, se prouvesse a vós, bem no queria seer, ca nom há cousa no mundo que tanto deseje como honra de cavalaria, e seer da vossa mão, ca doutra nom. no: queria seer, que tanto vos auço louvar e preçar de cavalaria, que nenhüu, a meu cuidar, nom podia seer covardo nem mao que vós fezéssedes cavaleiro. E esto é üa das cousas do mundo que me dá maior esperança de seer homem bõo e bõo cavaleiro.
– Filho Gualaaz – disse Lançalot – stranhamente vos fez Deos fremosa creatura. Par Deos, se vós nom cuidades seer bõo homem ou bõo cavaleiro, assi Deos me conselhe, sobejo seria gram dapno e gram malaventura de nom seerdes bõo cavaleiro, ca sobejo sedes fremoso.
E ele disse:
– Se me Deos fez assi fremoso, dar-mi-á bondade, se lhe prouver; ca, em outra guisa, valeria pouco. E ele querrá que serei bõo e cousa que semelhe minha linhagem e aaqueles onde eu venho; e metuda ei minha sperança em Nosso Senhor. E por esto vos rogo que me façades cavaleiro.
E Lançalot respondeo:
– Filho, pois vos praz, eu vos farei cavaleiro. E Nosso Senhor, assi como a el aprouver e o poderá fazer, vos faça tam bõo cavaleiro como sodes fremoso.
E o irmitam respondeo a esto:
– Dom Lançalot, nom ajades dulda de Galaaz, ca eu vos digo que de bondade de cavalaria os milhores cavaleiros do mundo passará.
E Lançalot respondeo:
– Deos o faça assi como eu queria.
Entam começarom todos a chorar com prazer quantos no lugar stavam.
Demanda do Santo Graal, fl. I, ed. de Augusto Magne, 1955-1970.
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LEITURAS ACERCA D’A DEMANDA DO SANTO GRAAL
(READINGS OF A DEMANDA DO SANTO GRAAL)
Sandra Salviato TERRA (Unesp – Araraquara/ Fapesp)
0. Introdução
O presente trabalho tem por objetivo apresentar alguns postulados sócio-cristãos presentes na composição da novela de cavalaria A Demanda do Santo Graal (edição de Irene Freire Nunes, 1995). A Demanda do Santo Graal é uma composição do século XIII (1230 – 1240) e, embora sua autoria não possa ser determinada, acredita-se que ela tenha sido composta por algum membro de ordem eclesiástica. Essa idéia apoia-se na presença de inúmeros elementos textuais que implicam em processos de leitura com diversas apreensões de significado, em sua maioria, regidos pelo pensamento religioso. Pretende-se evidenciar, por meio da análise de um episódio da narrativa, a saber, “A morte da irmã de Persival” (Nunes, 1995:329), a relação ideológica/cristã e o movimento especular que se manifesta por meio de alegorias e símbolos. No caso d’A Demanda, as alegorias apontam para o mundo espiritual, devido ao enfoque da obra nos princípios regidos pela religião e pela interpretação que se faz dos escritos religiosos. Evidentemente, não se ignoram os elementos de origem celta presentes no texto, mas busca-se evidenciar, aqui, os elementos advindos do processo de assimilação do cristianismo.
A Demanda do Santo Graal é um texto de marcas reacionárias em relação ao propósito básico das novelas de cavalaria, uma vez que adota como modelo a existência de cavaleiros/sacerdotes, ou seja, cavaleiros mais preocupados com a vida espiritual e batalhas de valor alegórico do que com o tradicional enfoque nas damas e nas lutas. Dessa forma, o texto d’A Demanda, apropria-se de um modelo interpretativo aplicável, na Idade Média, aos textos sacros, em especial os textos bíblicos. Esse modelo poderia ser resumido da máxima de Rabão Mauro (apud Gurevitch, 1991:104) “ Littera gesta docet, quid credes allegoria, moralis quo agas, quo tendas anagogia”, que poderia ser compreendida da seguinte maneira: O sentido literal informa sobre aquilo que se passou, a alegoria sobre aquilo em que acreditas, a moral indica como agir e a anagogia para onde te encaminhas.
De acordo com a máxima, pode-se realizar a leitura de textos buscando seu sentido literal, ou seja, a leitura pautada no plano das ações dos personagens e pode-se, também, observar outro tipo de leitura – a alegórica. Nesse sentido, o texto torna-se um vasto universo de símbolos e ilustrações que remetem ao universo mítico cristão. Nessa leitura, inserem-se as repreensões morais e as relações anagógicas que implicam na interpretação de um mundo transcendente. Nesse estudo, observa-se como os procedimentos citados apresentam-se, por meio de diversas acepções de leitura do texto, bem como, a atuação desses procedimentos na construção de sentido da obra
1. 1. Perspectiva teórica e análise
O texto d’A Demanda propõe-se como um modelo não só de conduta carnal, mas espiritual. Assim, a leitura, em seu sentido literal, apresenta uma narrativa, uma história a ser desfrutada pelo leitor. A leitura alegórica, permite a interpretação diferente, que segundo Compagnon (1999:56), se dá pela tentativa de compreender a “intenção oculta de um texto pelo deciframento de suas figuras”. Sendo assim, tem-se na obra a alegoria como uma questão de intenção, vinda da parte de uma consciência criativa que assume uma concepção cristã de compreensão do mundo, e a alegoria como uma questão de estilo, matéria de composição da obra enquanto escritura.
Cumpre considerar, ainda, que o pensamento medieval é caracterizado pela alegoria e isso faz com que o mundo seja visualizado como um símbolo, regido e estruturado por Deus, uma vez que o pensamento religioso dominava a sociedade. Dessa forma, as realidades materiais e as realidades imaginárias confundiam-se, sendo passíveis de alegorização. O homem medieval concebia um dualismo de idéias, tais como o Bem e o Mal, que por sua vez relaciona-se ao alto e ao baixo, entre outras relações.
Esse dualismo típico do homem medieval é que fortalecia a concepção alegórica do mundo. Como a própria etimologia da palavra apresenta, a alegoria pauta-se na existência do outro. Benjamim (1961) concebe a alegoria como o discurso através do outro. Assim, sendo a alegoria mais que sua clássica definição de representação concreta de uma idéia abstrata, ela traduz-se como um discurso no qual se utiliza o outro como referência. Kothe (1986:6) afirma que a alegoria é o “cerne da obra de arte e de sua representação”.
A afirmação de Kothe traz uma reflexão acerca do processo artístico. Entretanto, há períodos, como é o caso do período medieval, no qual a alegoria constitui-se, também, como forma estilística, traduzindo-se como uma prioridade para a apresentação da arte. Na literatura e, especificamente, nas novelas de cavalaria, pode-se observar esse uso com bastante propriedade.
É importante observar que a alegoria presente nos textos estudados aqui não é apenas recurso estilístico, mas também um instrumento ideológico.
Assim, pode-se realizar uma leitura baseada no plano das aventuras, da história, e outra (revelada ou não textualmente) no plano das figuras empreendidas nas aventuras.
Segundo Todorov (1980: 64), A Demanda do Santo Graal é uma narrativa em que “ a importância do acontecimento é menor do que a percepção que temos dele, do grau de conhecimento que dele possuímos”. Todorov dá a esse tipo de narrativa o nome de gnoseológica ou epistêmica. Dessa forma, podemos considerar que, n’A Demanda, o desvelar da alegoria torna-se fator fundamental para a percepção do significado da obra. Com isso, não se quer diminuir o interessante enlaçar dos episódios em sua feitura literária, mas sim unir, a esse enlaçar, o componente fundamental da obra, seu significado que extrapola os limites dos acontecimentos.
N’A Demanda do Santo Graal a alegoria apresenta-se como meio de veiculação das ideologias textuais. O tempo e o espaço nas narrativas também transformam-se em alegorias, na medida em que interagem, harmonicamente, com outras alegorias do texto.
Tendo por base essas reflexões acerca da alegoria é que se pode realizar a leitura do episódio d’A Demanda do Santo Graal, escolhido para esse estudo.
O episódio relata a morte da irmã de Persival (Nunes, 1995: 329). É importante ressaltar que A Demanda apresenta as personagens femininas de forma bastante estereotipada. São ressaltados os elementos que apontam para a castidade e a pureza, sendo que os atributos físicos, dentre vários outros elementos, são considerados armadilhas do Mal. A irmã de Persival é um exemplo moral, primeiramente direcionado às mulheres e, em Segunda instância, na forma de alegoria, direcionado aos cristãos. Essa personagem é uma jovem pura e casta, irmã de Persival, um dos melhores e mais puros cavaleiros da narrativa. Durante um bom trecho do texto, a irmã de Persival acompanha os três protagonistas da narrativa (Boorz, Galaaz e Persival) em suas incursões até que eles chegam a um castelo e são aprisionados.
A dona do castelo onde são aprisionados os jovens era leprosa e o costume do lugar consistia no fato de que todas as jovens virgens que por ali passassem deveriam encher uma escudela de sangue, para que a dona do castelo nele se banhasse, na tentativa de curar-se; se isso não fosse feito, os cavaleiros seriam mortos. Por ser muito jovem e delicada, a irmã de Persival não resistiria à sangria, então os jovens cavaleiros decidiram lutar por ela, mesmo que isso pudesse implicar no fim da busca ao Graal. No entanto, a donzela decidiu realizar o sacrifício, de modo que os cavaleiros pudessem seguir seu caminho em busca do Graal. Assim, a jovem sacrifica-se em favor da dona do castelo e de seus amigos. Assim diz o texto d’A Demanda (1995:329):
Dês i ferirom-na no braço destro de ũũ ferro qual convém a aquel mester e o sangue começou a sair e ela se sinou e comendou-se a Nosso Senhor. E depois disse aa dona:
- Eu som morta por guarecerdes vós. Por Deus rogade por minha alma.
E depois que a escudela foi chea de sangue esmoreceu ela e os III cavaleiros forom-lhe ao braço e estancarom-lhe o sangue e çarraron-lhe a ferida. E depois jouve gram peça esmorecida e acordou e disse:
- Irmão Persival, eu moiro por saúde desta dona. (Nunes, 1995:329)
Vê-se que o auto-sacrifício aproxima a donzela da figura de Cristo. O sangue, símbolo da redenção cristã, é altamente explorado nesse episódio. A aproximação com o sacrifício de Cristo estende-se até a frase que evoca o perdão divino e exalta a piedade em relação aos opressores (retomando Cristo que, em sua morte, segundo os evangelhos, perdoou seus inimigos e opressores). O sacrifício da irmã de Persival e o derramamento de seu sangue curam a mulher leprosa e também permite que os três cavaleiros, presos no castelo, prossigam suas “aventuras” em busca do santo Graal. A aparente fragilidade da jovem em relação aos fortes cavaleiros também remete a Cristo, que como um cordeiro sacrificial admite em si o sacrifício em favor de outros.
Da mesma sorte, a concepção teológica cristã admite que o sacrifício de Cristo é a chave que permite o acesso a Deus, que redime o homem, e o faz livre para a busca divina, como consta no livro bíblico de João “ Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito para que todo aquele que Nele crê não pereça mas tenha a vida eterna” (João, cap.3, v.16). Da mesma forma, o sacrifício de Cristo serviu aos maus (alegoria da dona do castelo) e aos bons (alegoria dos cavaleiros)
Isso é reforçado pela simbologia existente na seqüência do texto, quando uma grande tempestade derruba os muros do castelo, aparentemente indestrutíveis (Nunes, 1995:330); tão fortes eram esses muros que os melhores cavaleiros não o puderam transpor. Vê-se, aqui, a água como símbolo de transformação. A quebra do muro indica a liberdade e o fim da prisão de tantos outros que poderiam por ali passar - tudo isso, motivado pelo sacrifício da donzela que representa o sacrifício de Cristo.
A irmã de Persival, durante vários episódios, tinha acompanhado os três cavaleiros, mostrando a mesma dignidade e honra que estes, bem como fé e vida compatíveis às deles (fato demonstrado pela presença dela, em episódios anteriores, na barca do rei Salomão, barca, esta, preparada por esse rei de Israel há séculos para o dia em que seria usada por Galaaz; a barca, que era sustentada pela fé (Nunes, 1995:318) e pela providência divina, conduziu pelos mares os heróis até Corberic, o castelo do Graal).
É importante notar que a figura da irmã de Persival é sublime, santa e, portanto, digna de admiração e respeito pelos três cavaleiros que fazem grande lamento pela morte dela. O fato dela figurar entre os dois castos e fiéis cavaleiros d’A Demanda, Galaaz e Persival, só pode ser visto como uma exaltação a essa personagem e, de certa forma, uma homenagem a um procedimento cristão efetivado por uma mulher. Note-se que essa personagem não era uma mulher comum, mas possuidora de uma aura de santidade que a eleva à condição de exemplo a ser seguido, em um texto no qual evidencia-se olhares apreensivos em relação ao feminino.
É interessante notar que, embora ativamente participante de boa parte das aventuras de Galaaz, Percival e Boorz, a irmã de Persival não possui um nome próprio (nomeação que individualiza e traz à existência as coisas), o que a torna uma personagem cuja existência é anulada em benefício de suas ações; ou seja, não importa seu nome ou quem ela seja ( só temos a referência “irmã de Persival” - logo, o referente é Persival); importam somente suas ações, e estas sim são dignas de serem lembradas e alegorizadas.
Pode-se concluir, nessa breve análise, que a narrativa d’A Demanda do Santo Graal procura estabelecer, pelo uso da alegoria e das representações de âmbito moral e religioso um movimento especular, por meio do qual o leitor pode, durante sua leitura, visualizar o universo cristão e as interpretações clericais dos escritos bíblicos, de modo que se veicule um processo ideológico proveniente do direcionamento didático de alegorias e figuras. Esse direcionamento instaura-se por todo o texto gerando ligações entre o tema geral da narrativa, que é a busca do Graal (alegoria do Espírito Santo, da comunhão com Deus), e os episódios internos, conferindo o desencadeamento necessário para a criação de uma unidade discursiva.
RESUMO: O presente trabalho busca realizar um estudo dos elementos ideológicos e alegóricos d’A Demanda do Santo Graal (edição de Irene Freire Nunes, 1995), usando para isto, o episódio da morte da irmã de Persival.
PALAVRAS-CHAVE: novela de cavalaria; elementos cristãos; alegoria.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENJAMIM, Walter. Sobre el problema de la filosofia futura y otros ensayos. Trad. Roberto J. Vernengo. Caracas: Monte Avila Editores, 1961.
CHEVALIER, Jean. e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 9.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1995.
GUREVITCH, Aron I. As categorias da Cultura Medieval. Trad. J. G. Monteiro. Lisboa: Caminho, 1991 (Coleção Universitária).
KOTHE, Flávio R. A alegoria. São Paulo: Ática, 1986. (Série Princípios)
NUNES, Irene F. A Demanda do Santo Graal. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1995.
TODOROV, Tzvetan. A Demanda da Narrativa. In: _____. As Estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 1970. p.167-190.
THOMPSON, Frank, C. Bíblia de referência Thompson. Trad. João F. Almeida. São Paulo: Vida, 2000.
Tais histórias de amor não são melancólicas e platônicas como o que aparece nas cantigas: o herói cultua a amada, mas não se contenta apenas em vê-la; ele quer e é correspondido pela amada, que por ser casada (ou religiosa: "casada com Cristo"), torna-se adúltera para concretizar o seu amor; os obstáculos incentivam o herói na fase de conquista (o que é proibido é mais gostoso), ao invés de torná-lo impotente como acontece nas cantigas; a esse amor físico, adúltero, presente nas novelas e xácaras medievais, dá-se o nome de AMOR CORTÊS, em que o casal central não tem final feliz e é severamente punido pelo pecado cometido.
Nesses episódios eróticos são revelados até relacionamentos homossexuais ( rei Artur e Lancelote, rei Ricardo Coração de Leão...)
Os heróis medievais não têm a força física exagerada dos heróis da Antigüidade, mas são sempre jovens, belos e elegantes. Suas amadas são sempre "as mais belas do reino". A maioria das novelas de cavalaria portuguesas são traduções ou adaptações de novelas francesas ou inglesas. Dependendo de quem é o herói principal da novela, ela faz parte de um dos seguintes CICLOS:
a) CICLO GRECO-ROMANO OU CLÁSSICO: conjunto de novelas de cavalaria que narram as façanhas de heróis da Antigüidade;
b) CICLO CAROLÍNGEO OU FRANCÊS: novelas cujo herói é Carlos Magno;
c) CICLO ARTURIANO OU BRETÃO: as novelas deste ciclo são as mais famosas, adaptadas e traduzidas; o herói dessas novelas é o Rei Artur , sempre acompanhado de seus célebres cavaleiros da távola redonda.
Essa "MATÉRIA DA BRETANHA" é uma das fontes que dão origem às novelas de cavalaria portuguesas: tanto que as novelas portuguesas mais importantes pertencem ao Ciclo Arturiano ou Bretão, como "José de Arimatéia", "História de Merlin", etc. As novelas mais marcantes porém são:
a)"A DEMANDA DO SANTO GRAAL" : narra a busca do cálice sagrado pelo rei Artur e os cavaleiros da távola redonda;
b)"AMADIS DE GAULA", de autoria de Vasco ou João da Lobeira.
As novelas de cavalaria portuguesas também são inspiradas nas CANÇÕES DE GESTA francesas (cantigas que homenageavam os heróis e seus feitos). A prosa medieval portuguesa, como se pode concluir, é predominantemente do GÊNERO ÉPICO.
A Literatura Medieval Portuguesa expressa a simplicidade, a ingenuidade e a passividade do homem medieval e contém marcas do contexto em que foi produzida. Completamente dominado pelo medo do pecado e com o objetivo de agradar sempre a Deus, o homem medieval ainda consegue fazer uma literatura que em determinados momentos rompe com esse domínio: é o caso das novelas de cavalaria, dos romances ou xácaras. O segundo período medieval vai mostrar que esse "rompimento" vai aumentando com o passar do tempo, até que o homem consegue sair das TREVAS MEDIEVAIS definitivamente.
Visite , no link abaixo,a Dissertação de Mestrado em Letras de Cristina Helena Carneiro
BRUXAS E FEITICEIRAS EM NOVELAS DE CAVALARIA DO CICLO ARTURIANO: O REVERSO DA FIGURA FEMININA?
http://www.ple.uem.br/defesas/pdf/chcarneiro.pdf
Visite e leia “ O imaginário cristão nas novelas de cavalaria e nas cantigas de amor, de Hilda Magalhães(Faça downlound)
http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2227063
NOVELAS: A Demanda do Santo Graal
http://auladeliteraturaportuguesa.blogspot.com/2009/05/demanda-do-santo-graal.html
Demanda do Santo Graal é a adaptação e a tradução das novelas francesas que tinham como tema as aventuras do Rei Artur e dos cavaleiros da Távola Redonda. Entre esses cavaleiros, sobressaem Lançarote do Lago, Boors de Gaunes, Galvão, Perceval e Galaaz. Este último era filho de Lançarote e tinha por missão encontrar o Santo Graal, isto é, o vaso onde fora recolhido o sangue de Cristo na cruz e que estava escondido no castelo de Corbenic, na Britânia. O manuscrito português encontra-se na Biblioteca Nacional de Viena (catalogado com o número 2594) e contém várias redacções feitas entre os séculos XIII e XV. É considerado o mais fiel e o mais completo de todos os que contêm as novelas do chamado Ciclo Bretão.
Edições da obra: Augusto Magne, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1944; Augusto Magne, Rio de Janeiro, 1955-1970, 2 vols.; Joseph Maria Piel, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1988; Irene Freire Nunes, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1995.
DEMANDA DO SANTO GRAAL
Véspera de Pinticoste foi grande gente assüada em Camaalot, assi que podera homem i veer mui gram gente, muitos cavaleiros e muitas donas mui bem guisadas. El-rei, que era ende mui ledo, honrou-os muito e feze-os mui bem servir; e toda rem que entendeo per que aquela corte seeria mais viçosa e mais leda, todo o fez fazer.
Aquel dia que vos eu digo, direitamente quando queriam poer as mesas – esto era ora de noa – aveeo que üa donzela chegou i, mui fremosa e mui bem vestida. E entrou no paaço a pee, como mandadeira. Ela começou a catar de üa parte e da outra, pelo paaço; e perguntavam-na que demandava.
– Eu demando – disse ela – por Dom Lançarot do Lago. É aqui?
– Si, donzela – disse üu cavaleiro. Veede-lo: stá aaquela freesta, falando com Dom Gualvam.
Ela foi logo pera el e salvô-o. Ele, tanto que a vio, recebeo-a mui bem e abraçou-a, ca aquela era üa das donzelas que moravam na Insoa da Lediça, que a filha Amida del-rei Peles amava mais que donzela da sua companha i.
– Ai, donzela! – disse Lançalot –que ventura vos adusse aqui, que bem sei que sem razom nom veestes vós?
– Senhor, verdade é; mais rogo-vos, se vos aprouguer, que vaades comigo aaquela foresta de Camaalot; e sabede que manhãa, ora de comer, seeredes aqui.
– Certas, donzela – disse el – muito me praz; ca teúdo e soom de vos fazer serviço em tôdalas cousas que eu poder.
Entam pedio suas armas. E quando el-rei vio que se fazia armar a tam gram coita, foi a el com a raïa e disse-lhe:
– Como leixar-nos queredes a atal festa, u cavaleiros de todo o mundo veem aa corte, e mui mais ainda por vos veerem ca por al – deles por vos veerem e deles por averem vossa companha?
– Senhor, – disse el – nom vou senam a esta foresta com esta donzela que me rogou; mais cras, ora de terça, seerei aqui.
Entom se saío Lançarot do Lago e sobio em seu cavalo, e a donzela em seu palafrem; e forom com a donzela dous cavaleiros e duas donzelas. E quando ela tornou a eles, disse-lhes:
– Sabede que adubei o por que viim: Dom Lançarot do Lago se irá comnosco.
Entam se filharom andar e entrarom na foresta; e nom andarom muito per ela que chegarom a casa do ermitam que soía a falar com Gualaz. E quando el vio Lançarot ir é a donzela, logo soube que ia pera fazer Gualaaz cavaleiro, e leixou sua irmida por ir ao mosteiro das donas, ca nom queria que se fosse Gualaaz ante que o el visse, ca bem sabia que, pois se el partia dali, que nom tornaria i, ca lhe convenria e, tanto que fosse cavaleiro, entrar aas venturas do reino de Logres. E por esto lhe semelhava que o avia perdudo e que o nom veeria a meude, e temia, ca avia em ele mui grande sabor, porque era santa cousa e santa creatura.
Quando eles cheguarom aa abadia, levarom Lançarot pera üa camara, e desarmarom-no. E vëo a ele a abadessa com quatro donas, e adusse consigo Gualaaz: tam fremosa cousa era, que maravilha era; e andava tam bem vesådo, que nom podia milhor. E a abadessa chorava muito com prazer. Tanto que vio Lançarot, disse-lhe:
– Senhor, por Deos, fazede vós nosso novel cavaleiro, ca nom queriamos que seja cavaleiro por mão doutro; ca milhor cavaleiro ca vós nom no pode fazer cavaleiro; ca bem crcemos que ainda seja tam bõo que vos acharedes ende bem, e que será vossa honra de o fazerdes; e se vos el ende nom rogasse, vó-lo devíades de fazer, ca bem sabedes que é vosso filho.
– Gualaaz – disse Lançalot – queredes vós seer cavaleiro?
El respondeo baldosamente:
– Senhor, se prouvesse a vós, bem no queria seer, ca nom há cousa no mundo que tanto deseje como honra de cavalaria, e seer da vossa mão, ca doutra nom. no: queria seer, que tanto vos auço louvar e preçar de cavalaria, que nenhüu, a meu cuidar, nom podia seer covardo nem mao que vós fezéssedes cavaleiro. E esto é üa das cousas do mundo que me dá maior esperança de seer homem bõo e bõo cavaleiro.
– Filho Gualaaz – disse Lançalot – stranhamente vos fez Deos fremosa creatura. Par Deos, se vós nom cuidades seer bõo homem ou bõo cavaleiro, assi Deos me conselhe, sobejo seria gram dapno e gram malaventura de nom seerdes bõo cavaleiro, ca sobejo sedes fremoso.
E ele disse:
– Se me Deos fez assi fremoso, dar-mi-á bondade, se lhe prouver; ca, em outra guisa, valeria pouco. E ele querrá que serei bõo e cousa que semelhe minha linhagem e aaqueles onde eu venho; e metuda ei minha sperança em Nosso Senhor. E por esto vos rogo que me façades cavaleiro.
E Lançalot respondeo:
– Filho, pois vos praz, eu vos farei cavaleiro. E Nosso Senhor, assi como a el aprouver e o poderá fazer, vos faça tam bõo cavaleiro como sodes fremoso.
E o irmitam respondeo a esto:
– Dom Lançalot, nom ajades dulda de Galaaz, ca eu vos digo que de bondade de cavalaria os milhores cavaleiros do mundo passará.
E Lançalot respondeo:
– Deos o faça assi como eu queria.
Entam começarom todos a chorar com prazer quantos no lugar stavam.
Demanda do Santo Graal, fl. I, ed. de Augusto Magne, 1955-1970.
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LEITURAS ACERCA D’A DEMANDA DO SANTO GRAAL
(READINGS OF A DEMANDA DO SANTO GRAAL)
Sandra Salviato TERRA (Unesp – Araraquara/ Fapesp)
0. Introdução
O presente trabalho tem por objetivo apresentar alguns postulados sócio-cristãos presentes na composição da novela de cavalaria A Demanda do Santo Graal (edição de Irene Freire Nunes, 1995). A Demanda do Santo Graal é uma composição do século XIII (1230 – 1240) e, embora sua autoria não possa ser determinada, acredita-se que ela tenha sido composta por algum membro de ordem eclesiástica. Essa idéia apoia-se na presença de inúmeros elementos textuais que implicam em processos de leitura com diversas apreensões de significado, em sua maioria, regidos pelo pensamento religioso. Pretende-se evidenciar, por meio da análise de um episódio da narrativa, a saber, “A morte da irmã de Persival” (Nunes, 1995:329), a relação ideológica/cristã e o movimento especular que se manifesta por meio de alegorias e símbolos. No caso d’A Demanda, as alegorias apontam para o mundo espiritual, devido ao enfoque da obra nos princípios regidos pela religião e pela interpretação que se faz dos escritos religiosos. Evidentemente, não se ignoram os elementos de origem celta presentes no texto, mas busca-se evidenciar, aqui, os elementos advindos do processo de assimilação do cristianismo.
A Demanda do Santo Graal é um texto de marcas reacionárias em relação ao propósito básico das novelas de cavalaria, uma vez que adota como modelo a existência de cavaleiros/sacerdotes, ou seja, cavaleiros mais preocupados com a vida espiritual e batalhas de valor alegórico do que com o tradicional enfoque nas damas e nas lutas. Dessa forma, o texto d’A Demanda, apropria-se de um modelo interpretativo aplicável, na Idade Média, aos textos sacros, em especial os textos bíblicos. Esse modelo poderia ser resumido da máxima de Rabão Mauro (apud Gurevitch, 1991:104) “ Littera gesta docet, quid credes allegoria, moralis quo agas, quo tendas anagogia”, que poderia ser compreendida da seguinte maneira: O sentido literal informa sobre aquilo que se passou, a alegoria sobre aquilo em que acreditas, a moral indica como agir e a anagogia para onde te encaminhas.
De acordo com a máxima, pode-se realizar a leitura de textos buscando seu sentido literal, ou seja, a leitura pautada no plano das ações dos personagens e pode-se, também, observar outro tipo de leitura – a alegórica. Nesse sentido, o texto torna-se um vasto universo de símbolos e ilustrações que remetem ao universo mítico cristão. Nessa leitura, inserem-se as repreensões morais e as relações anagógicas que implicam na interpretação de um mundo transcendente. Nesse estudo, observa-se como os procedimentos citados apresentam-se, por meio de diversas acepções de leitura do texto, bem como, a atuação desses procedimentos na construção de sentido da obra
1. 1. Perspectiva teórica e análise
O texto d’A Demanda propõe-se como um modelo não só de conduta carnal, mas espiritual. Assim, a leitura, em seu sentido literal, apresenta uma narrativa, uma história a ser desfrutada pelo leitor. A leitura alegórica, permite a interpretação diferente, que segundo Compagnon (1999:56), se dá pela tentativa de compreender a “intenção oculta de um texto pelo deciframento de suas figuras”. Sendo assim, tem-se na obra a alegoria como uma questão de intenção, vinda da parte de uma consciência criativa que assume uma concepção cristã de compreensão do mundo, e a alegoria como uma questão de estilo, matéria de composição da obra enquanto escritura.
Cumpre considerar, ainda, que o pensamento medieval é caracterizado pela alegoria e isso faz com que o mundo seja visualizado como um símbolo, regido e estruturado por Deus, uma vez que o pensamento religioso dominava a sociedade. Dessa forma, as realidades materiais e as realidades imaginárias confundiam-se, sendo passíveis de alegorização. O homem medieval concebia um dualismo de idéias, tais como o Bem e o Mal, que por sua vez relaciona-se ao alto e ao baixo, entre outras relações.
Esse dualismo típico do homem medieval é que fortalecia a concepção alegórica do mundo. Como a própria etimologia da palavra apresenta, a alegoria pauta-se na existência do outro. Benjamim (1961) concebe a alegoria como o discurso através do outro. Assim, sendo a alegoria mais que sua clássica definição de representação concreta de uma idéia abstrata, ela traduz-se como um discurso no qual se utiliza o outro como referência. Kothe (1986:6) afirma que a alegoria é o “cerne da obra de arte e de sua representação”.
A afirmação de Kothe traz uma reflexão acerca do processo artístico. Entretanto, há períodos, como é o caso do período medieval, no qual a alegoria constitui-se, também, como forma estilística, traduzindo-se como uma prioridade para a apresentação da arte. Na literatura e, especificamente, nas novelas de cavalaria, pode-se observar esse uso com bastante propriedade.
É importante observar que a alegoria presente nos textos estudados aqui não é apenas recurso estilístico, mas também um instrumento ideológico.
Assim, pode-se realizar uma leitura baseada no plano das aventuras, da história, e outra (revelada ou não textualmente) no plano das figuras empreendidas nas aventuras.
Segundo Todorov (1980: 64), A Demanda do Santo Graal é uma narrativa em que “ a importância do acontecimento é menor do que a percepção que temos dele, do grau de conhecimento que dele possuímos”. Todorov dá a esse tipo de narrativa o nome de gnoseológica ou epistêmica. Dessa forma, podemos considerar que, n’A Demanda, o desvelar da alegoria torna-se fator fundamental para a percepção do significado da obra. Com isso, não se quer diminuir o interessante enlaçar dos episódios em sua feitura literária, mas sim unir, a esse enlaçar, o componente fundamental da obra, seu significado que extrapola os limites dos acontecimentos.
N’A Demanda do Santo Graal a alegoria apresenta-se como meio de veiculação das ideologias textuais. O tempo e o espaço nas narrativas também transformam-se em alegorias, na medida em que interagem, harmonicamente, com outras alegorias do texto.
Tendo por base essas reflexões acerca da alegoria é que se pode realizar a leitura do episódio d’A Demanda do Santo Graal, escolhido para esse estudo.
O episódio relata a morte da irmã de Persival (Nunes, 1995: 329). É importante ressaltar que A Demanda apresenta as personagens femininas de forma bastante estereotipada. São ressaltados os elementos que apontam para a castidade e a pureza, sendo que os atributos físicos, dentre vários outros elementos, são considerados armadilhas do Mal. A irmã de Persival é um exemplo moral, primeiramente direcionado às mulheres e, em Segunda instância, na forma de alegoria, direcionado aos cristãos. Essa personagem é uma jovem pura e casta, irmã de Persival, um dos melhores e mais puros cavaleiros da narrativa. Durante um bom trecho do texto, a irmã de Persival acompanha os três protagonistas da narrativa (Boorz, Galaaz e Persival) em suas incursões até que eles chegam a um castelo e são aprisionados.
A dona do castelo onde são aprisionados os jovens era leprosa e o costume do lugar consistia no fato de que todas as jovens virgens que por ali passassem deveriam encher uma escudela de sangue, para que a dona do castelo nele se banhasse, na tentativa de curar-se; se isso não fosse feito, os cavaleiros seriam mortos. Por ser muito jovem e delicada, a irmã de Persival não resistiria à sangria, então os jovens cavaleiros decidiram lutar por ela, mesmo que isso pudesse implicar no fim da busca ao Graal. No entanto, a donzela decidiu realizar o sacrifício, de modo que os cavaleiros pudessem seguir seu caminho em busca do Graal. Assim, a jovem sacrifica-se em favor da dona do castelo e de seus amigos. Assim diz o texto d’A Demanda (1995:329):
Dês i ferirom-na no braço destro de ũũ ferro qual convém a aquel mester e o sangue começou a sair e ela se sinou e comendou-se a Nosso Senhor. E depois disse aa dona:
- Eu som morta por guarecerdes vós. Por Deus rogade por minha alma.
E depois que a escudela foi chea de sangue esmoreceu ela e os III cavaleiros forom-lhe ao braço e estancarom-lhe o sangue e çarraron-lhe a ferida. E depois jouve gram peça esmorecida e acordou e disse:
- Irmão Persival, eu moiro por saúde desta dona. (Nunes, 1995:329)
Vê-se que o auto-sacrifício aproxima a donzela da figura de Cristo. O sangue, símbolo da redenção cristã, é altamente explorado nesse episódio. A aproximação com o sacrifício de Cristo estende-se até a frase que evoca o perdão divino e exalta a piedade em relação aos opressores (retomando Cristo que, em sua morte, segundo os evangelhos, perdoou seus inimigos e opressores). O sacrifício da irmã de Persival e o derramamento de seu sangue curam a mulher leprosa e também permite que os três cavaleiros, presos no castelo, prossigam suas “aventuras” em busca do santo Graal. A aparente fragilidade da jovem em relação aos fortes cavaleiros também remete a Cristo, que como um cordeiro sacrificial admite em si o sacrifício em favor de outros.
Da mesma sorte, a concepção teológica cristã admite que o sacrifício de Cristo é a chave que permite o acesso a Deus, que redime o homem, e o faz livre para a busca divina, como consta no livro bíblico de João “ Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito para que todo aquele que Nele crê não pereça mas tenha a vida eterna” (João, cap.3, v.16). Da mesma forma, o sacrifício de Cristo serviu aos maus (alegoria da dona do castelo) e aos bons (alegoria dos cavaleiros)
Isso é reforçado pela simbologia existente na seqüência do texto, quando uma grande tempestade derruba os muros do castelo, aparentemente indestrutíveis (Nunes, 1995:330); tão fortes eram esses muros que os melhores cavaleiros não o puderam transpor. Vê-se, aqui, a água como símbolo de transformação. A quebra do muro indica a liberdade e o fim da prisão de tantos outros que poderiam por ali passar - tudo isso, motivado pelo sacrifício da donzela que representa o sacrifício de Cristo.
A irmã de Persival, durante vários episódios, tinha acompanhado os três cavaleiros, mostrando a mesma dignidade e honra que estes, bem como fé e vida compatíveis às deles (fato demonstrado pela presença dela, em episódios anteriores, na barca do rei Salomão, barca, esta, preparada por esse rei de Israel há séculos para o dia em que seria usada por Galaaz; a barca, que era sustentada pela fé (Nunes, 1995:318) e pela providência divina, conduziu pelos mares os heróis até Corberic, o castelo do Graal).
É importante notar que a figura da irmã de Persival é sublime, santa e, portanto, digna de admiração e respeito pelos três cavaleiros que fazem grande lamento pela morte dela. O fato dela figurar entre os dois castos e fiéis cavaleiros d’A Demanda, Galaaz e Persival, só pode ser visto como uma exaltação a essa personagem e, de certa forma, uma homenagem a um procedimento cristão efetivado por uma mulher. Note-se que essa personagem não era uma mulher comum, mas possuidora de uma aura de santidade que a eleva à condição de exemplo a ser seguido, em um texto no qual evidencia-se olhares apreensivos em relação ao feminino.
É interessante notar que, embora ativamente participante de boa parte das aventuras de Galaaz, Percival e Boorz, a irmã de Persival não possui um nome próprio (nomeação que individualiza e traz à existência as coisas), o que a torna uma personagem cuja existência é anulada em benefício de suas ações; ou seja, não importa seu nome ou quem ela seja ( só temos a referência “irmã de Persival” - logo, o referente é Persival); importam somente suas ações, e estas sim são dignas de serem lembradas e alegorizadas.
Pode-se concluir, nessa breve análise, que a narrativa d’A Demanda do Santo Graal procura estabelecer, pelo uso da alegoria e das representações de âmbito moral e religioso um movimento especular, por meio do qual o leitor pode, durante sua leitura, visualizar o universo cristão e as interpretações clericais dos escritos bíblicos, de modo que se veicule um processo ideológico proveniente do direcionamento didático de alegorias e figuras. Esse direcionamento instaura-se por todo o texto gerando ligações entre o tema geral da narrativa, que é a busca do Graal (alegoria do Espírito Santo, da comunhão com Deus), e os episódios internos, conferindo o desencadeamento necessário para a criação de uma unidade discursiva.
RESUMO: O presente trabalho busca realizar um estudo dos elementos ideológicos e alegóricos d’A Demanda do Santo Graal (edição de Irene Freire Nunes, 1995), usando para isto, o episódio da morte da irmã de Persival.
PALAVRAS-CHAVE: novela de cavalaria; elementos cristãos; alegoria.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENJAMIM, Walter. Sobre el problema de la filosofia futura y otros ensayos. Trad. Roberto J. Vernengo. Caracas: Monte Avila Editores, 1961.
CHEVALIER, Jean. e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 9.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1995.
GUREVITCH, Aron I. As categorias da Cultura Medieval. Trad. J. G. Monteiro. Lisboa: Caminho, 1991 (Coleção Universitária).
KOTHE, Flávio R. A alegoria. São Paulo: Ática, 1986. (Série Princípios)
NUNES, Irene F. A Demanda do Santo Graal. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1995.
TODOROV, Tzvetan. A Demanda da Narrativa. In: _____. As Estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 1970. p.167-190.
THOMPSON, Frank, C. Bíblia de referência Thompson. Trad. João F. Almeida. São Paulo: Vida, 2000.
segunda-feira, 15 de março de 2010
LITERATURA MEDIEVAL PORTUGUESA - Primeiro Período ( Séculos XII e XIII): TROVADORISMO ou LITERATURA PROVENÇAL
Primeiro Período(Séculos XII e XIII): TROVADORISMO ou LITERATURA PROVENÇAL
I- INTRODUÇÃO
1. As invasões bárbaras na Europa
A Queda do Império Romano tem pelo menos uma conseqüência negativa : a Europa torna-se um continente militarmente desprotegido, ou seja, propício às invasões bárbaras por ele sofridas a partir de então ( a arquitetura da época confirma isso).
A difusão da filosofia cristã foi tão intensa na Europa após a morte de Jesus Cristo que, já no início da Idade Média, o Cristianismo é a religião oficial do continente europeu; ao contrário do que aconteceu na Antigüidade, aquele que não é cristão é BÁRBARO e é inimigo religioso e político dos europeus.
Assim, desde o início da Idade Média (476-1453), os europeus ocupam-se com a GUERRAS DE RECONQUISTA, expulsão dos povos bárbaros - principalmente dos MOUROS (muçulmanos, adoradores de Maomé) que instalam-se em grande número na PENÍNSULA IBÉRICA (Portugal e Espanha).
Nessa época, a Europa é um conjunto de REINOS.Por exemplo: no século XI, o território que atualmente faz parte de Portugal, do Rio Mondego para o Sul, ainda estava ocupado pelos sarracenos, e desse rio para o Norte havia o reino de Leão. Ainda não existia a nação portuguesa.
2. A feudal, teocêntrica, convencional e patriarcal Idade Média
2.1. O Feudalismo
O sistema sócio-econômico-político predominante na Idade Média chama-se FEUDALISMO.
Com a Queda do Império Romano, como já citado anteriormente, o continente europeu fica militar e politicamente propenso às invasões . Para evitar o caos e para facilitar a expulsão dos invasores bárbaros, a Europa é dividida em reinos e cada reino em grandes lotes de terras ou FEUDOS.
Cada feudo possui um administrador com plenos poderes: o SENHOR FEUDAL. Assim, no sistema feudal, o poder do rei é descentralizado para os feudos, para os senhores feudais.
A atividade econômica principal na Europa medieval é a AGRICULTURA: o senhor feudal ARRENDA as terras do feudo aos agricultores - seus SERVOS ou VASSALOS - que pagam o arrendamento com produtos nela cultivados e colhidos; quase toda a produção agrícola, assim, é de propriedade do senhor feudal, ficando apenas uma pequena parte dessa produção ao servo ( o suficiente para sua subsistência e da sua família ). O senhor feudal, por sua vez, "presta contas" ao rei de "tudo" que diz respeito ao feudo que administra, além de ser seu cavaleiro, seu companheiro e defensor nas guerras: ele é vassalo do rei.
Além dos servos, os feudos contam ainda com os cavaleiros do senhor feudal e com os artesãos, aqueles que elaboram manualmente as roupas, os calçados, os utensílios e todos os objetos consumidos pela sociedade.
No sistema feudal, as mercadorias são TROCADAS entre si, conforme o valor de uso (a necessidade dos envolvidos na troca), ou seja, o valor material das mercadorias praticamente fica em segundo plano ou, às vezes, nem é levado em conta.
Além das classes sociais já citadas ( servos/ artesãos/ cavaleiros/ senhores feudais e outros nobres/ reis) a sociedade feudal tem uma outra - a mais poderosa das classes - que é o CLERO. No próximo item veremos de onde vem todo o poder do clero medieval.
2.2. O TEOCENTRISMO
O Cristianismo, como vimos, é a religião oficial da Europa na Idade Média, tanto que aquele que não é cristão é inimigo político e religioso. A religião, assim, é algo de extrema importância para o homem medieval: agradar e obedecer a Deus é seu objetivo de vida, ou seja, Deus é o centro da vida humana nessa época. O TEOCENTRISMO, portanto , é um dos traços essenciais da cultura medieval.
A instituição social que se diz "porta-voz de Deus na Terra" é a IGREJA CATÓLICA; assim, aquele que deseja servir plenamente a Deus (não importa a que classe social pertença), deve ficar atento ao que prega a Igreja e seguir fielmente os seus preceitos: o que é pecado, o que é virtude, como se caracteriza o verdadeiro cristão, etc... Com tal ideologia, plenamente aceita por todas as classes sociais, o poder "divino" da Igreja determina o modo de vida, os valores mais importantes, a maneira de ser de toda a sociedade: o CLERO é, por isso, a classe dominante - a mais poderosa economica-política-socialmente falando, dentro da sociedade medieval.
Não é à toa que quando nos reportamos à Idade Média, as imagens que imediatamente ocupam nossa mente são, além dos castelos: os mosteiros, os religiosos, a Inquisição...
2.3. O CONVENCIONALISMO
A sociedade medieval é convencional, ou seja, nela as pessoas se tratam com extremo respeito e formalidade, mesmo as mais íntimas ou as mais zangadas. É por isso que nessa época é muito comum, no dia a dia de todas as classes sociais, o uso de palavras e expressões de tratamento como : vós, vos, vosso(a)(s), senhor, senhora, dom/dona (para reis/rainhas/nobres em geral), amigo (namorado), etc, e os verbos na 2a. pessoa do plural.
O tratamento cortês (convencionalismo social) é outro traço da cultura medieval.
2.4. O PATRIARCALISMO
A sociedade medieval é patriarcal: a mulher leva uma vida segregada, não tem qualquer participação social e depende totalmente do homem. Trancada e vigiada em casa - primeiro pelo pai, depois pelo marido - a mulher é educada para ser mãe e esposa, ocupando-se dos afazeres domésticos, de trabalhos manuais como tecer, bordar, costurar, etc. Raramente a mulher tem alguma instrução.
Todos esses traços da cultura medieval aparecem marcados (presentes) na obra literária européia, da qual a Literatura Portuguesa é nosso exemplo e objeto de estudo. A Literatura Portuguesa surge no século XII, simultaneamente ao surgimento de Portugal como nação.
II - COMO SE FORMOU A NAÇÃO PORTUGUESA
O século XII é o de luta mais intensa entre cristãos e mouros, que vão cedendo terreno pouco a pouco ante a vigorosa ofensiva dos leoneses. Afonso VI é o rei de Leão e chega para reforçar a luta contra os mouros o nobre francês Henrique de Borgonha. Tal foi sua contribuição que o rei lhe deu a mão da filha - Dona Teresa - em casamento e o governo de um dos seus melhores condados: o de Porto-Cale; pouco tempo depois, o Conde Henrique anexa ao seu domínio o condado de Coimbra e tem um herdeiro: o futuro rei Dom Afonso Henriques.
Em 1114, Henrique de Borgonha morre e sua viúva assume o governo como regente, pois Afonso Henriques tem apenas 3 anos. Ao completar 18 anos, D. Afonso Henriques assume o governo e entra em guerra contra os mouros e contra o então rei de Leão - Afonso VII - sagrando-se sempre vencedor; aos Condados de Porto Cale e Coimbra é anexado todo o reino de Leão: todo esse território forma a nação portuguesa, cujo fundador, D. Afonso Henriques, é reconhecido como seu rei inclusive pelo derrotado e ex-rei de Leão - Afonso VII.
Como resultado de suas vitórias sobre os mouros que ocupavam muitas cidades portuguesas, D. Afonso Henriques recebe a alcunha de "o Conquistador". A expulsão dos mouros também torna-se preocupação dos reis portugueses que sucedem D. Afonso Henriques, como: D. Sancho I, D. Afonso II, D. Sancho II, D. Afonso III , D. Dinis ( o REI-TROVADOR), etc.
III- A LITERATURA MEDIEVAL PORTUGUESA : as CANTIGAS
1. Denominações e origem da Literatura Medieval Portuguesa
A Literatura Portuguesa surge no século XII: na Idade Média, portanto. Tudo que vimos até aqui a respeito da Idade Média vale para Portugal: o que ocorre na sociedade, na Arte e na Literatura portuguesas é exemplo do que ocorre em toda a Europa.
As primeiras obras literárias portuguesas são elaboradas em versos: são poemas. Como ainda não há imprensa nessa época, os poemas medievais são orais e com acompanhamento musical, recebendo, por isso, o nome de CANTIGAS ou TROVAS. As cantigas são divulgadas nas ruas, nas praças, nas festas, nos palácios; para facilitar sua memorização e divulgação, as cantigas são elaboradas com versos curtos que não seguem necessariamente as normas da Versificação e que se repetem pelo poema; além disso, a linguagem das cantiga é extremamente fácil, pois, a língua falada em Portugal é o GALEGO-PORTUGUÊS, uma língua simples e ingênua.
A primeira obra literária portuguesa de que se tem notícia data de 1189: a cantiga "A RIBEIRINHA", de autoria de Paio Soares de Taveirós, uma cantiga de amor em homenagem a Maria Paes Ribeiro; como os poetas não podiam revelar o nome das suas amadas nas cantigas de amor e como a homenageada era casada, o autor dessa cantiga se inspirou no sobrenome da amada para nomear sua obra.
É das palavras TROVA e TROVADOR ( poeta nobre que faz trovas) que deriva o nome mais comum que se dá a toda Literatura Portuguesa elaborada na Idade Média: TROVADORISMO.
As primeiras cantigas ou trovas medievais portuguesas são inspiradas nas cantigas que há muito tempo já eram feitas em Provença, no sul da França; por isso, a Literatura Medieval Portuguesa também é chamada de LITERATURA PROVENÇAL.
Apesar de oito séculos terem se passado, as cantigas continuam existindo: basta ligarmos o rádio e ouviremos POEMAS ORAIS (cantados) ACOMPANHADOS DE MÚSICA...
2. Tipos de cantigas
2.1. CANTIGA DE AMOR: o eu-lírico é masculino; o conteúdo dessas cantigas consiste numa declaração de amor a uma mulher. Nessa declaração:
- o homem revela seu amor platônico, pois tal amor não pode ser correspondido pela amada, já que ela é casada, ou mais rica que ele, etc, ou seja, existe pelo menos um obstáculo impossível de ser superado para que o amor entre ambos se concretize;
- diante da impossibilidade de que seu amor seja correspondido pela amada, o eu-lírico diz se contentar pelo menos em ver a amada e, caso nem isso seja possível, ele prefere morrer;
- a amada é sempre idealizada, divinizada e cultuada;
- a amada é tratada pelo pronome SENHORA. Para compensar a mulher das desvantagens por ela sofridas na sociedade patriarcal, no relacionamento amoroso o homem finge-se inferior a ela e, numa atitude de VASSALAGEM, passa a tratá-la com a mesma cortesia, respeito e submissão com que trata seu senhor feudal nas relações sociais ( no seu dia a dia): em suma, no relacionamento amoroso, a mulher aparece como SUPERIOR ao homem. Há alguns estudiosos que levantam a possibilidade de que o homem trata a mulher por SENHORA, no relacionamento amoroso, visto que ela adquire um caráter divino e é cultuada por ele como se cultua uma deusa, uma santa ( como se ela fosse Nossa SENHORA, mãe de Jesus); de qualquer forma, essas duas possibilidades mostram que o homem transfere para o relacionamento amoroso as práticas mais importantes de seu dia a dia: a de vassalagem e a de religiosidade extrema;
- o nome da amada não é revelado;
As cantigas de amor, portanto, apresentam um conteúdo que expressa tristeza, solidão, amor platônico, desejos não realizados, etc, ou seja, possui "tom" triste: pertencem ao GÊNERO LÍRICO e , pelo conteúdo melancólico, são ELEGIAS.
2.2. CANTIGA DE AMIGO : o eu-lírico é feminino. Consiste num desabafo da mulher acerca da vida (terrível) que leva numa sociedade patriarcal e/ou na declaração de amor pelo seu amigo (seu namorado) e da saudade e do ciúme que sente dele, já que lhes falta liberdade para seus encontros. Tal desabafo normalmente é dirigido a outra mulher ( sua mãe, irmã, amiga, etc, que a entende, pois passa pelos mesmos dissabores), a Deus ou a algum elemento da natureza ( mar, árvores, céu, etc).
Assim como as cantigas de amor, as cantigas de amigo também possuem conteúdo melancólico: são do Gênero Lírico - elegias.
A informação mais curiosa que se tem a respeito das cantigas de amigo, porém, é a de que elas são elaboradas por homens . Ao que parece, eles penetram e entendem a alma feminina tanto quanto ou, às vezes, até mais que certas mulheres.
2.3. CANTIGA DE ESCÁRNIO: é uma sátira que critica indiretamente o sistema ou alguém ; a crítica irônica é tão bem elaborada que, por parecer um elogio, tal tipo de cantiga é a preferida dos senhores feudais.
2.4. CANTIGA DE MALDIZER: é uma sátira que critica direta e violentamente o sistema ou alguém: as corrupções, os roubos, os adultérios, as explorações , etc , e seus envolvidos são citados nominalmente.
Os: alguns autores consideram a sátira como uma modalidade do Gênero Lírico; outros, como um Gênero à parte (Gênero Satírico).
3. Os "Cancioneiros"
CANCIONEIROS são "arquivos" onde são encontradas algumas das cantigas medievais portuguesas (as que foram compiladas e guardadas). Conhecem-se 3 Cancioneiros de poemas em galego-português:
3.1."CANCIONEIRO DA AJUDA", encontrado no Convento da Ajuda, é o mais antigo dos Cancioneiros; provavelmente copiado em fins do séc. XIII, possui 310 cantigas, sendo que 304 delas são cantigas de amor. É considerado o mais incompleto dos 3 Cancioneiros, pois não contém os poemas do rei-trovador D. Dinis, mas é um documento valioso, pela grafia e partituras originais.
3.2. "CANCIONEIRO DA BIBLIOTECA NACIONAL DE LISBOA" ou "CANCIONEIRO COLOCCI- BRANCUTI" , é o mais completo dos Cancioneiros galego-portugueses: possui 1647 cantigas de todos os tipos; encontrado primeiramente na biblioteca do Conde italiano Brancuti, no século XVI o Cancioneiro passou a pertencer ao humanista italiano Angelo Colocci ; em 1880, o Cancioneiro foi vendido à Biblioteca Nacional de Lisboa, onde se encontra até hoje.
3.3. "CANCIONEIRO DA VATICANA". Pesquisando a biblioteca papal, Fernando Wolf descobriu esse Cancioneiro de 1205 cantigas, dentre elas as de D. Dinis , que aparecem também no "Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa".
Graças à existência desses Cancioneiros que temos hoje exemplos de cantigas medievais portuguesas, mesmo que a maioria delas sejam de autoria de poetas nobres e que as mais populares (e, por isso, bem interessantes) perderam-se no tempo.
4.Pessoas envolvidas na elaboração/apresentação das cantigas portuguesas
Há denominações diferentes para o poeta nobre e para o poeta plebeu:
. Poeta nobre: é o TROVADOR / . Poeta plebeu: é o JOGRAL
Caso o poeta não tenha conhecimentos musicais para o acompanhamento do poema, ele pede a colaboração de alguém que é apenas COMPOSITOR: o MENESTREL. O poeta também deve ter boa voz para apresentação da cantiga, já que ela é um poema ORAL; mas caso o poeta não possui tais dotes fônicos, ele pede a colaboração de um CANTOR: o SEGREL.
5. Características gerais da Literatura Medieval Portuguesa:
5.1. SUBJETIVIDADE: a poesia medieval portuguesa é lírica, predominando a função emotiva da linguagem, ou seja, seu conteúdo expressa as emoções, os sentimentos, a visão de mundo do emissor ( do eu-lírico), marcadas no texto através de palavras na 1a. pessoa (verbos, pronomes), das interjeições, das exclamações;
5.2. TEOCENTRISMO: o eu-lírico expressa sua religiosidade extrema através da palavra Deus - sempre presente nas cantigas- dos nomes de santos, de elementos do Cristianismo, festas e lugares santos, etc.
5.3. CONVENCIONALISMO: todo o convencionalismo social está marcado nas cantigas medievais através da presença de pronomes e verbos na 2a. pessoa do plural e dos pronomes de tratamento : senhora, dom, dona, amigo, etc.
5.4. SUPERIORIDADE FEMININA NO AMOR: como já foi visto, nas cantigas de amor (às vezes até em outras), ao declarar-se à amada, o homem finge-se inferior, submisso a ela (VASSALAGEM): ela é cultuada como um ser superior, divino, ao contrário do que acontece na realidade;
5.5. PATRIARCALISMO: marcado nas cantigas medievais através do desabafo que o eu-lírico feminino faz nas cantigas de amigo a outra mulher, à natureza ou a Deus.
Como se pode notar, as cantigas medievais portuguesas contém marcas do tipo de cultura, do momento em que elas foram elaboradas: elas são, portanto, verdadeiros documentos de época (documentos históricos).
IV- A PROSA MEDIEVAL PORTUGUESA
A obra medieval em prosa é composta por NARRATIVAS de 4 tipos:
1. CRONICÕES: narrativas de fatos históricos importantes colocados em ordem cronológica, entremeados de fatos fictícios;
2. HAGIOGRAFIAS: narrativas que contam a vida de santos (biografias;
3. NOBILIÁRIOS: ou livros de linhagens, são relatórios a respeito da vida de um nobre: sua árvore genealógica (antepassados), relação das riquezas e dos títulos de nobreza que possui, etc;
4. NOVELAS DE CAVALARIA: narrativas literárias em capítulos que contam os grandes feitos de um herói (acompanhado de seus cavaleiros), entremeados de célebres histórias de amor.
I- INTRODUÇÃO
1. As invasões bárbaras na Europa
A Queda do Império Romano tem pelo menos uma conseqüência negativa : a Europa torna-se um continente militarmente desprotegido, ou seja, propício às invasões bárbaras por ele sofridas a partir de então ( a arquitetura da época confirma isso).
A difusão da filosofia cristã foi tão intensa na Europa após a morte de Jesus Cristo que, já no início da Idade Média, o Cristianismo é a religião oficial do continente europeu; ao contrário do que aconteceu na Antigüidade, aquele que não é cristão é BÁRBARO e é inimigo religioso e político dos europeus.
Assim, desde o início da Idade Média (476-1453), os europeus ocupam-se com a GUERRAS DE RECONQUISTA, expulsão dos povos bárbaros - principalmente dos MOUROS (muçulmanos, adoradores de Maomé) que instalam-se em grande número na PENÍNSULA IBÉRICA (Portugal e Espanha).
Nessa época, a Europa é um conjunto de REINOS.Por exemplo: no século XI, o território que atualmente faz parte de Portugal, do Rio Mondego para o Sul, ainda estava ocupado pelos sarracenos, e desse rio para o Norte havia o reino de Leão. Ainda não existia a nação portuguesa.
2. A feudal, teocêntrica, convencional e patriarcal Idade Média
2.1. O Feudalismo
O sistema sócio-econômico-político predominante na Idade Média chama-se FEUDALISMO.
Com a Queda do Império Romano, como já citado anteriormente, o continente europeu fica militar e politicamente propenso às invasões . Para evitar o caos e para facilitar a expulsão dos invasores bárbaros, a Europa é dividida em reinos e cada reino em grandes lotes de terras ou FEUDOS.
Cada feudo possui um administrador com plenos poderes: o SENHOR FEUDAL. Assim, no sistema feudal, o poder do rei é descentralizado para os feudos, para os senhores feudais.
A atividade econômica principal na Europa medieval é a AGRICULTURA: o senhor feudal ARRENDA as terras do feudo aos agricultores - seus SERVOS ou VASSALOS - que pagam o arrendamento com produtos nela cultivados e colhidos; quase toda a produção agrícola, assim, é de propriedade do senhor feudal, ficando apenas uma pequena parte dessa produção ao servo ( o suficiente para sua subsistência e da sua família ). O senhor feudal, por sua vez, "presta contas" ao rei de "tudo" que diz respeito ao feudo que administra, além de ser seu cavaleiro, seu companheiro e defensor nas guerras: ele é vassalo do rei.
Além dos servos, os feudos contam ainda com os cavaleiros do senhor feudal e com os artesãos, aqueles que elaboram manualmente as roupas, os calçados, os utensílios e todos os objetos consumidos pela sociedade.
No sistema feudal, as mercadorias são TROCADAS entre si, conforme o valor de uso (a necessidade dos envolvidos na troca), ou seja, o valor material das mercadorias praticamente fica em segundo plano ou, às vezes, nem é levado em conta.
Além das classes sociais já citadas ( servos/ artesãos/ cavaleiros/ senhores feudais e outros nobres/ reis) a sociedade feudal tem uma outra - a mais poderosa das classes - que é o CLERO. No próximo item veremos de onde vem todo o poder do clero medieval.
2.2. O TEOCENTRISMO
O Cristianismo, como vimos, é a religião oficial da Europa na Idade Média, tanto que aquele que não é cristão é inimigo político e religioso. A religião, assim, é algo de extrema importância para o homem medieval: agradar e obedecer a Deus é seu objetivo de vida, ou seja, Deus é o centro da vida humana nessa época. O TEOCENTRISMO, portanto , é um dos traços essenciais da cultura medieval.
A instituição social que se diz "porta-voz de Deus na Terra" é a IGREJA CATÓLICA; assim, aquele que deseja servir plenamente a Deus (não importa a que classe social pertença), deve ficar atento ao que prega a Igreja e seguir fielmente os seus preceitos: o que é pecado, o que é virtude, como se caracteriza o verdadeiro cristão, etc... Com tal ideologia, plenamente aceita por todas as classes sociais, o poder "divino" da Igreja determina o modo de vida, os valores mais importantes, a maneira de ser de toda a sociedade: o CLERO é, por isso, a classe dominante - a mais poderosa economica-política-socialmente falando, dentro da sociedade medieval.
Não é à toa que quando nos reportamos à Idade Média, as imagens que imediatamente ocupam nossa mente são, além dos castelos: os mosteiros, os religiosos, a Inquisição...
2.3. O CONVENCIONALISMO
A sociedade medieval é convencional, ou seja, nela as pessoas se tratam com extremo respeito e formalidade, mesmo as mais íntimas ou as mais zangadas. É por isso que nessa época é muito comum, no dia a dia de todas as classes sociais, o uso de palavras e expressões de tratamento como : vós, vos, vosso(a)(s), senhor, senhora, dom/dona (para reis/rainhas/nobres em geral), amigo (namorado), etc, e os verbos na 2a. pessoa do plural.
O tratamento cortês (convencionalismo social) é outro traço da cultura medieval.
2.4. O PATRIARCALISMO
A sociedade medieval é patriarcal: a mulher leva uma vida segregada, não tem qualquer participação social e depende totalmente do homem. Trancada e vigiada em casa - primeiro pelo pai, depois pelo marido - a mulher é educada para ser mãe e esposa, ocupando-se dos afazeres domésticos, de trabalhos manuais como tecer, bordar, costurar, etc. Raramente a mulher tem alguma instrução.
Todos esses traços da cultura medieval aparecem marcados (presentes) na obra literária européia, da qual a Literatura Portuguesa é nosso exemplo e objeto de estudo. A Literatura Portuguesa surge no século XII, simultaneamente ao surgimento de Portugal como nação.
II - COMO SE FORMOU A NAÇÃO PORTUGUESA
O século XII é o de luta mais intensa entre cristãos e mouros, que vão cedendo terreno pouco a pouco ante a vigorosa ofensiva dos leoneses. Afonso VI é o rei de Leão e chega para reforçar a luta contra os mouros o nobre francês Henrique de Borgonha. Tal foi sua contribuição que o rei lhe deu a mão da filha - Dona Teresa - em casamento e o governo de um dos seus melhores condados: o de Porto-Cale; pouco tempo depois, o Conde Henrique anexa ao seu domínio o condado de Coimbra e tem um herdeiro: o futuro rei Dom Afonso Henriques.
Em 1114, Henrique de Borgonha morre e sua viúva assume o governo como regente, pois Afonso Henriques tem apenas 3 anos. Ao completar 18 anos, D. Afonso Henriques assume o governo e entra em guerra contra os mouros e contra o então rei de Leão - Afonso VII - sagrando-se sempre vencedor; aos Condados de Porto Cale e Coimbra é anexado todo o reino de Leão: todo esse território forma a nação portuguesa, cujo fundador, D. Afonso Henriques, é reconhecido como seu rei inclusive pelo derrotado e ex-rei de Leão - Afonso VII.
Como resultado de suas vitórias sobre os mouros que ocupavam muitas cidades portuguesas, D. Afonso Henriques recebe a alcunha de "o Conquistador". A expulsão dos mouros também torna-se preocupação dos reis portugueses que sucedem D. Afonso Henriques, como: D. Sancho I, D. Afonso II, D. Sancho II, D. Afonso III , D. Dinis ( o REI-TROVADOR), etc.
III- A LITERATURA MEDIEVAL PORTUGUESA : as CANTIGAS
1. Denominações e origem da Literatura Medieval Portuguesa
A Literatura Portuguesa surge no século XII: na Idade Média, portanto. Tudo que vimos até aqui a respeito da Idade Média vale para Portugal: o que ocorre na sociedade, na Arte e na Literatura portuguesas é exemplo do que ocorre em toda a Europa.
As primeiras obras literárias portuguesas são elaboradas em versos: são poemas. Como ainda não há imprensa nessa época, os poemas medievais são orais e com acompanhamento musical, recebendo, por isso, o nome de CANTIGAS ou TROVAS. As cantigas são divulgadas nas ruas, nas praças, nas festas, nos palácios; para facilitar sua memorização e divulgação, as cantigas são elaboradas com versos curtos que não seguem necessariamente as normas da Versificação e que se repetem pelo poema; além disso, a linguagem das cantiga é extremamente fácil, pois, a língua falada em Portugal é o GALEGO-PORTUGUÊS, uma língua simples e ingênua.
A primeira obra literária portuguesa de que se tem notícia data de 1189: a cantiga "A RIBEIRINHA", de autoria de Paio Soares de Taveirós, uma cantiga de amor em homenagem a Maria Paes Ribeiro; como os poetas não podiam revelar o nome das suas amadas nas cantigas de amor e como a homenageada era casada, o autor dessa cantiga se inspirou no sobrenome da amada para nomear sua obra.
É das palavras TROVA e TROVADOR ( poeta nobre que faz trovas) que deriva o nome mais comum que se dá a toda Literatura Portuguesa elaborada na Idade Média: TROVADORISMO.
As primeiras cantigas ou trovas medievais portuguesas são inspiradas nas cantigas que há muito tempo já eram feitas em Provença, no sul da França; por isso, a Literatura Medieval Portuguesa também é chamada de LITERATURA PROVENÇAL.
Apesar de oito séculos terem se passado, as cantigas continuam existindo: basta ligarmos o rádio e ouviremos POEMAS ORAIS (cantados) ACOMPANHADOS DE MÚSICA...
2. Tipos de cantigas
2.1. CANTIGA DE AMOR: o eu-lírico é masculino; o conteúdo dessas cantigas consiste numa declaração de amor a uma mulher. Nessa declaração:
- o homem revela seu amor platônico, pois tal amor não pode ser correspondido pela amada, já que ela é casada, ou mais rica que ele, etc, ou seja, existe pelo menos um obstáculo impossível de ser superado para que o amor entre ambos se concretize;
- diante da impossibilidade de que seu amor seja correspondido pela amada, o eu-lírico diz se contentar pelo menos em ver a amada e, caso nem isso seja possível, ele prefere morrer;
- a amada é sempre idealizada, divinizada e cultuada;
- a amada é tratada pelo pronome SENHORA. Para compensar a mulher das desvantagens por ela sofridas na sociedade patriarcal, no relacionamento amoroso o homem finge-se inferior a ela e, numa atitude de VASSALAGEM, passa a tratá-la com a mesma cortesia, respeito e submissão com que trata seu senhor feudal nas relações sociais ( no seu dia a dia): em suma, no relacionamento amoroso, a mulher aparece como SUPERIOR ao homem. Há alguns estudiosos que levantam a possibilidade de que o homem trata a mulher por SENHORA, no relacionamento amoroso, visto que ela adquire um caráter divino e é cultuada por ele como se cultua uma deusa, uma santa ( como se ela fosse Nossa SENHORA, mãe de Jesus); de qualquer forma, essas duas possibilidades mostram que o homem transfere para o relacionamento amoroso as práticas mais importantes de seu dia a dia: a de vassalagem e a de religiosidade extrema;
- o nome da amada não é revelado;
As cantigas de amor, portanto, apresentam um conteúdo que expressa tristeza, solidão, amor platônico, desejos não realizados, etc, ou seja, possui "tom" triste: pertencem ao GÊNERO LÍRICO e , pelo conteúdo melancólico, são ELEGIAS.
2.2. CANTIGA DE AMIGO : o eu-lírico é feminino. Consiste num desabafo da mulher acerca da vida (terrível) que leva numa sociedade patriarcal e/ou na declaração de amor pelo seu amigo (seu namorado) e da saudade e do ciúme que sente dele, já que lhes falta liberdade para seus encontros. Tal desabafo normalmente é dirigido a outra mulher ( sua mãe, irmã, amiga, etc, que a entende, pois passa pelos mesmos dissabores), a Deus ou a algum elemento da natureza ( mar, árvores, céu, etc).
Assim como as cantigas de amor, as cantigas de amigo também possuem conteúdo melancólico: são do Gênero Lírico - elegias.
A informação mais curiosa que se tem a respeito das cantigas de amigo, porém, é a de que elas são elaboradas por homens . Ao que parece, eles penetram e entendem a alma feminina tanto quanto ou, às vezes, até mais que certas mulheres.
2.3. CANTIGA DE ESCÁRNIO: é uma sátira que critica indiretamente o sistema ou alguém ; a crítica irônica é tão bem elaborada que, por parecer um elogio, tal tipo de cantiga é a preferida dos senhores feudais.
2.4. CANTIGA DE MALDIZER: é uma sátira que critica direta e violentamente o sistema ou alguém: as corrupções, os roubos, os adultérios, as explorações , etc , e seus envolvidos são citados nominalmente.
Os: alguns autores consideram a sátira como uma modalidade do Gênero Lírico; outros, como um Gênero à parte (Gênero Satírico).
3. Os "Cancioneiros"
CANCIONEIROS são "arquivos" onde são encontradas algumas das cantigas medievais portuguesas (as que foram compiladas e guardadas). Conhecem-se 3 Cancioneiros de poemas em galego-português:
3.1."CANCIONEIRO DA AJUDA", encontrado no Convento da Ajuda, é o mais antigo dos Cancioneiros; provavelmente copiado em fins do séc. XIII, possui 310 cantigas, sendo que 304 delas são cantigas de amor. É considerado o mais incompleto dos 3 Cancioneiros, pois não contém os poemas do rei-trovador D. Dinis, mas é um documento valioso, pela grafia e partituras originais.
3.2. "CANCIONEIRO DA BIBLIOTECA NACIONAL DE LISBOA" ou "CANCIONEIRO COLOCCI- BRANCUTI" , é o mais completo dos Cancioneiros galego-portugueses: possui 1647 cantigas de todos os tipos; encontrado primeiramente na biblioteca do Conde italiano Brancuti, no século XVI o Cancioneiro passou a pertencer ao humanista italiano Angelo Colocci ; em 1880, o Cancioneiro foi vendido à Biblioteca Nacional de Lisboa, onde se encontra até hoje.
3.3. "CANCIONEIRO DA VATICANA". Pesquisando a biblioteca papal, Fernando Wolf descobriu esse Cancioneiro de 1205 cantigas, dentre elas as de D. Dinis , que aparecem também no "Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa".
Graças à existência desses Cancioneiros que temos hoje exemplos de cantigas medievais portuguesas, mesmo que a maioria delas sejam de autoria de poetas nobres e que as mais populares (e, por isso, bem interessantes) perderam-se no tempo.
4.Pessoas envolvidas na elaboração/apresentação das cantigas portuguesas
Há denominações diferentes para o poeta nobre e para o poeta plebeu:
. Poeta nobre: é o TROVADOR / . Poeta plebeu: é o JOGRAL
Caso o poeta não tenha conhecimentos musicais para o acompanhamento do poema, ele pede a colaboração de alguém que é apenas COMPOSITOR: o MENESTREL. O poeta também deve ter boa voz para apresentação da cantiga, já que ela é um poema ORAL; mas caso o poeta não possui tais dotes fônicos, ele pede a colaboração de um CANTOR: o SEGREL.
5. Características gerais da Literatura Medieval Portuguesa:
5.1. SUBJETIVIDADE: a poesia medieval portuguesa é lírica, predominando a função emotiva da linguagem, ou seja, seu conteúdo expressa as emoções, os sentimentos, a visão de mundo do emissor ( do eu-lírico), marcadas no texto através de palavras na 1a. pessoa (verbos, pronomes), das interjeições, das exclamações;
5.2. TEOCENTRISMO: o eu-lírico expressa sua religiosidade extrema através da palavra Deus - sempre presente nas cantigas- dos nomes de santos, de elementos do Cristianismo, festas e lugares santos, etc.
5.3. CONVENCIONALISMO: todo o convencionalismo social está marcado nas cantigas medievais através da presença de pronomes e verbos na 2a. pessoa do plural e dos pronomes de tratamento : senhora, dom, dona, amigo, etc.
5.4. SUPERIORIDADE FEMININA NO AMOR: como já foi visto, nas cantigas de amor (às vezes até em outras), ao declarar-se à amada, o homem finge-se inferior, submisso a ela (VASSALAGEM): ela é cultuada como um ser superior, divino, ao contrário do que acontece na realidade;
5.5. PATRIARCALISMO: marcado nas cantigas medievais através do desabafo que o eu-lírico feminino faz nas cantigas de amigo a outra mulher, à natureza ou a Deus.
Como se pode notar, as cantigas medievais portuguesas contém marcas do tipo de cultura, do momento em que elas foram elaboradas: elas são, portanto, verdadeiros documentos de época (documentos históricos).
IV- A PROSA MEDIEVAL PORTUGUESA
A obra medieval em prosa é composta por NARRATIVAS de 4 tipos:
1. CRONICÕES: narrativas de fatos históricos importantes colocados em ordem cronológica, entremeados de fatos fictícios;
2. HAGIOGRAFIAS: narrativas que contam a vida de santos (biografias;
3. NOBILIÁRIOS: ou livros de linhagens, são relatórios a respeito da vida de um nobre: sua árvore genealógica (antepassados), relação das riquezas e dos títulos de nobreza que possui, etc;
4. NOVELAS DE CAVALARIA: narrativas literárias em capítulos que contam os grandes feitos de um herói (acompanhado de seus cavaleiros), entremeados de célebres histórias de amor.
PROSA MEDIEVAL: NOVELAS DE CAVALARIA
NOVELAS DE CAVALARIA São narrativas literárias em capítulos que contam os grandes feitos de um herói (acompanhado de seus cavaleiros), entremeados de célebres histórias de amor.
Tais histórias de amor não são melancólicas e platônicas como o que aparece nas cantigas: o herói cultua a amada, mas não se contenta apenas em vê-la; ele quer e é correspondido pela amada, que por ser casada (ou religiosa: "casada com Cristo"), torna-se adúltera para concretizar o seu amor; os obstáculos incentivam o herói na fase de conquista (o que é proibido é mais gostoso), ao invés de torná-lo impotente como acontece nas cantigas; a esse amor físico, adúltero, presente nas novelas e xácaras medievais, dá-se o nome de AMOR CORTÊS, em que o casal central não tem final feliz e é severamente punido pelo pecado cometido.
Nesses episódios eróticos são revelados até relacionamentos homossexuais ( rei Artur e Lancelote, rei Ricardo Coração de Leão...)
Os heróis medievais não têm a força física exagerada dos heróis da Antigüidade, mas são sempre jovens, belos e elegantes. Suas amadas são sempre "as mais belas do reino". A maioria das novelas de cavalaria portuguesas são traduções ou adaptações de novelas francesas ou inglesas. Dependendo de quem é o herói principal da novela, ela faz parte de um dos seguintes CICLOS:
a) CICLO GRECO-ROMANO OU CLÁSSICO: conjunto de novelas de cavalaria que narram as façanhas de heróis da Antigüidade;
b) CICLO CAROLÍNGEO OU FRANCÊS: novelas cujo herói é Carlos Magno;
c) CICLO ARTURIANO OU BRETÃO: as novelas deste ciclo são as mais famosas, adaptadas e traduzidas; o herói dessas novelas é o Rei Artur , sempre acompanhado de seus célebres cavaleiros da távola redonda.
Essa "MATÉRIA DA BRETANHA" é uma das fontes que dão origem às novelas de cavalaria portuguesas: tanto que as novelas portuguesas mais importantes pertencem ao Ciclo Arturiano ou Bretão, como "José de Arimatéia", "História de Merlin", etc. As novelas mais marcantes porém são:
a)"A DEMANDA DO SANTO GRAAL" : narra a busca do cálice sagrado pelo rei Artur e os cavaleiros da távola redonda;
b)"AMADIS DE GAULA", de autoria de Vasco ou João da Lobeira.
As novelas de cavalaria portuguesas também são inspiradas nas CANÇÕES DE GESTA francesas (cantigas que homenageavam os heróis e seus feitos). A prosa medieval portuguesa, como se pode concluir, é predominantemente do GÊNERO ÉPICO.
A Literatura Medieval Portuguesa expressa a simplicidade, a ingenuidade e a passividade do homem medieval e contém marcas do contexto em que foi produzida. Completamente dominado pelo medo do pecado e com o objetivo de agradar sempre a Deus, o homem medieval ainda consegue fazer uma literatura que em determinados momentos rompe com esse domínio: é o caso das novelas de cavalaria, dos romances ou xácaras. O segundo período medieval vai mostrar que esse "rompimento" vai aumentando com o passar do tempo, até que o homem consegue sair das TREVAS MEDIEVAIS definitivamente.
Visite , no link abaixo,a Dissertação de Mestrado em Letras de Cristina Helena Carneiro
BRUXAS E FEITICEIRAS EM NOVELAS DE CAVALARIA DO CICLO ARTURIANO: O REVERSO DA FIGURA FEMININA?
http://www.ple.uem.br/defesas/pdf/chcarneiro.pdf
Visite e leia “ O imaginário cristão nas novelas de cavalaria e nas cantigas de amor, de Hilda Magalhães(Faça downlound)
http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2227063
NOVELAS: A Demanda do Santo Graal
http://auladeliteraturaportuguesa.blogspot.com/2009/05/demanda-do-santo-graal.html
Demanda do Santo Graal é a adaptação e a tradução das novelas francesas que tinham como tema as aventuras do Rei Artur e dos cavaleiros da Távola Redonda. Entre esses cavaleiros, sobressaem Lançarote do Lago, Boors de Gaunes, Galvão, Perceval e Galaaz. Este último era filho de Lançarote e tinha por missão encontrar o Santo Graal, isto é, o vaso onde fora recolhido o sangue de Cristo na cruz e que estava escondido no castelo de Corbenic, na Britânia. O manuscrito português encontra-se na Biblioteca Nacional de Viena (catalogado com o número 2594) e contém várias redacções feitas entre os séculos XIII e XV. É considerado o mais fiel e o mais completo de todos os que contêm as novelas do chamado Ciclo Bretão.
Edições da obra: Augusto Magne, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1944; Augusto Magne, Rio de Janeiro, 1955-1970, 2 vols.; Joseph Maria Piel, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1988; Irene Freire Nunes, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1995.
DEMANDA DO SANTO GRAAL
Véspera de Pinticoste foi grande gente assüada em Camaalot, assi que podera homem i veer mui gram gente, muitos cavaleiros e muitas donas mui bem guisadas. El-rei, que era ende mui ledo, honrou-os muito e feze-os mui bem servir; e toda rem que entendeo per que aquela corte seeria mais viçosa e mais leda, todo o fez fazer.
Aquel dia que vos eu digo, direitamente quando queriam poer as mesas – esto era ora de noa – aveeo que üa donzela chegou i, mui fremosa e mui bem vestida. E entrou no paaço a pee, como mandadeira. Ela começou a catar de üa parte e da outra, pelo paaço; e perguntavam-na que demandava.
– Eu demando – disse ela – por Dom Lançarot do Lago. É aqui?
– Si, donzela – disse üu cavaleiro. Veede-lo: stá aaquela freesta, falando com Dom Gualvam.
Ela foi logo pera el e salvô-o. Ele, tanto que a vio, recebeo-a mui bem e abraçou-a, ca aquela era üa das donzelas que moravam na Insoa da Lediça, que a filha Amida del-rei Peles amava mais que donzela da sua companha i.
– Ai, donzela! – disse Lançalot –que ventura vos adusse aqui, que bem sei que sem razom nom veestes vós?
– Senhor, verdade é; mais rogo-vos, se vos aprouguer, que vaades comigo aaquela foresta de Camaalot; e sabede que manhãa, ora de comer, seeredes aqui.
– Certas, donzela – disse el – muito me praz; ca teúdo e soom de vos fazer serviço em tôdalas cousas que eu poder.
Entam pedio suas armas. E quando el-rei vio que se fazia armar a tam gram coita, foi a el com a raïa e disse-lhe:
– Como leixar-nos queredes a atal festa, u cavaleiros de todo o mundo veem aa corte, e mui mais ainda por vos veerem ca por al – deles por vos veerem e deles por averem vossa companha?
– Senhor, – disse el – nom vou senam a esta foresta com esta donzela que me rogou; mais cras, ora de terça, seerei aqui.
Entom se saío Lançarot do Lago e sobio em seu cavalo, e a donzela em seu palafrem; e forom com a donzela dous cavaleiros e duas donzelas. E quando ela tornou a eles, disse-lhes:
– Sabede que adubei o por que viim: Dom Lançarot do Lago se irá comnosco.
Entam se filharom andar e entrarom na foresta; e nom andarom muito per ela que chegarom a casa do ermitam que soía a falar com Gualaz. E quando el vio Lançarot ir é a donzela, logo soube que ia pera fazer Gualaaz cavaleiro, e leixou sua irmida por ir ao mosteiro das donas, ca nom queria que se fosse Gualaaz ante que o el visse, ca bem sabia que, pois se el partia dali, que nom tornaria i, ca lhe convenria e, tanto que fosse cavaleiro, entrar aas venturas do reino de Logres. E por esto lhe semelhava que o avia perdudo e que o nom veeria a meude, e temia, ca avia em ele mui grande sabor, porque era santa cousa e santa creatura.
Quando eles cheguarom aa abadia, levarom Lançarot pera üa camara, e desarmarom-no. E vëo a ele a abadessa com quatro donas, e adusse consigo Gualaaz: tam fremosa cousa era, que maravilha era; e andava tam bem vesådo, que nom podia milhor. E a abadessa chorava muito com prazer. Tanto que vio Lançarot, disse-lhe:
– Senhor, por Deos, fazede vós nosso novel cavaleiro, ca nom queriamos que seja cavaleiro por mão doutro; ca milhor cavaleiro ca vós nom no pode fazer cavaleiro; ca bem crcemos que ainda seja tam bõo que vos acharedes ende bem, e que será vossa honra de o fazerdes; e se vos el ende nom rogasse, vó-lo devíades de fazer, ca bem sabedes que é vosso filho.
– Gualaaz – disse Lançalot – queredes vós seer cavaleiro?
El respondeo baldosamente:
– Senhor, se prouvesse a vós, bem no queria seer, ca nom há cousa no mundo que tanto deseje como honra de cavalaria, e seer da vossa mão, ca doutra nom. no: queria seer, que tanto vos auço louvar e preçar de cavalaria, que nenhüu, a meu cuidar, nom podia seer covardo nem mao que vós fezéssedes cavaleiro. E esto é üa das cousas do mundo que me dá maior esperança de seer homem bõo e bõo cavaleiro.
– Filho Gualaaz – disse Lançalot – stranhamente vos fez Deos fremosa creatura. Par Deos, se vós nom cuidades seer bõo homem ou bõo cavaleiro, assi Deos me conselhe, sobejo seria gram dapno e gram malaventura de nom seerdes bõo cavaleiro, ca sobejo sedes fremoso.
E ele disse:
– Se me Deos fez assi fremoso, dar-mi-á bondade, se lhe prouver; ca, em outra guisa, valeria pouco. E ele querrá que serei bõo e cousa que semelhe minha linhagem e aaqueles onde eu venho; e metuda ei minha sperança em Nosso Senhor. E por esto vos rogo que me façades cavaleiro.
E Lançalot respondeo:
– Filho, pois vos praz, eu vos farei cavaleiro. E Nosso Senhor, assi como a el aprouver e o poderá fazer, vos faça tam bõo cavaleiro como sodes fremoso.
E o irmitam respondeo a esto:
– Dom Lançalot, nom ajades dulda de Galaaz, ca eu vos digo que de bondade de cavalaria os milhores cavaleiros do mundo passará.
E Lançalot respondeo:
– Deos o faça assi como eu queria.
Entam começarom todos a chorar com prazer quantos no lugar stavam.
Demanda do Santo Graal, fl. I, ed. de Augusto Magne, 1955-1970.
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LEITURAS ACERCA D’A DEMANDA DO SANTO GRAAL
(READINGS OF A DEMANDA DO SANTO GRAAL)
Sandra Salviato TERRA (Unesp – Araraquara/ Fapesp)
0. Introdução
O presente trabalho tem por objetivo apresentar alguns postulados sócio-cristãos presentes na composição da novela de cavalaria A Demanda do Santo Graal (edição de Irene Freire Nunes, 1995). A Demanda do Santo Graal é uma composição do século XIII (1230 – 1240) e, embora sua autoria não possa ser determinada, acredita-se que ela tenha sido composta por algum membro de ordem eclesiástica. Essa idéia apoia-se na presença de inúmeros elementos textuais que implicam em processos de leitura com diversas apreensões de significado, em sua maioria, regidos pelo pensamento religioso. Pretende-se evidenciar, por meio da análise de um episódio da narrativa, a saber, “A morte da irmã de Persival” (Nunes, 1995:329), a relação ideológica/cristã e o movimento especular que se manifesta por meio de alegorias e símbolos. No caso d’A Demanda, as alegorias apontam para o mundo espiritual, devido ao enfoque da obra nos princípios regidos pela religião e pela interpretação que se faz dos escritos religiosos. Evidentemente, não se ignoram os elementos de origem celta presentes no texto, mas busca-se evidenciar, aqui, os elementos advindos do processo de assimilação do cristianismo.
A Demanda do Santo Graal é um texto de marcas reacionárias em relação ao propósito básico das novelas de cavalaria, uma vez que adota como modelo a existência de cavaleiros/sacerdotes, ou seja, cavaleiros mais preocupados com a vida espiritual e batalhas de valor alegórico do que com o tradicional enfoque nas damas e nas lutas. Dessa forma, o texto d’A Demanda, apropria-se de um modelo interpretativo aplicável, na Idade Média, aos textos sacros, em especial os textos bíblicos. Esse modelo poderia ser resumido da máxima de Rabão Mauro (apud Gurevitch, 1991:104) “ Littera gesta docet, quid credes allegoria, moralis quo agas, quo tendas anagogia”, que poderia ser compreendida da seguinte maneira: O sentido literal informa sobre aquilo que se passou, a alegoria sobre aquilo em que acreditas, a moral indica como agir e a anagogia para onde te encaminhas.
De acordo com a máxima, pode-se realizar a leitura de textos buscando seu sentido literal, ou seja, a leitura pautada no plano das ações dos personagens e pode-se, também, observar outro tipo de leitura – a alegórica. Nesse sentido, o texto torna-se um vasto universo de símbolos e ilustrações que remetem ao universo mítico cristão. Nessa leitura, inserem-se as repreensões morais e as relações anagógicas que implicam na interpretação de um mundo transcendente. Nesse estudo, observa-se como os procedimentos citados apresentam-se, por meio de diversas acepções de leitura do texto, bem como, a atuação desses procedimentos na construção de sentido da obra
1. 1. Perspectiva teórica e análise
O texto d’A Demanda propõe-se como um modelo não só de conduta carnal, mas espiritual. Assim, a leitura, em seu sentido literal, apresenta uma narrativa, uma história a ser desfrutada pelo leitor. A leitura alegórica, permite a interpretação diferente, que segundo Compagnon (1999:56), se dá pela tentativa de compreender a “intenção oculta de um texto pelo deciframento de suas figuras”. Sendo assim, tem-se na obra a alegoria como uma questão de intenção, vinda da parte de uma consciência criativa que assume uma concepção cristã de compreensão do mundo, e a alegoria como uma questão de estilo, matéria de composição da obra enquanto escritura.
Cumpre considerar, ainda, que o pensamento medieval é caracterizado pela alegoria e isso faz com que o mundo seja visualizado como um símbolo, regido e estruturado por Deus, uma vez que o pensamento religioso dominava a sociedade. Dessa forma, as realidades materiais e as realidades imaginárias confundiam-se, sendo passíveis de alegorização. O homem medieval concebia um dualismo de idéias, tais como o Bem e o Mal, que por sua vez relaciona-se ao alto e ao baixo, entre outras relações.
Esse dualismo típico do homem medieval é que fortalecia a concepção alegórica do mundo. Como a própria etimologia da palavra apresenta, a alegoria pauta-se na existência do outro. Benjamim (1961) concebe a alegoria como o discurso através do outro. Assim, sendo a alegoria mais que sua clássica definição de representação concreta de uma idéia abstrata, ela traduz-se como um discurso no qual se utiliza o outro como referência. Kothe (1986:6) afirma que a alegoria é o “cerne da obra de arte e de sua representação”.
A afirmação de Kothe traz uma reflexão acerca do processo artístico. Entretanto, há períodos, como é o caso do período medieval, no qual a alegoria constitui-se, também, como forma estilística, traduzindo-se como uma prioridade para a apresentação da arte. Na literatura e, especificamente, nas novelas de cavalaria, pode-se observar esse uso com bastante propriedade.
É importante observar que a alegoria presente nos textos estudados aqui não é apenas recurso estilístico, mas também um instrumento ideológico.
Assim, pode-se realizar uma leitura baseada no plano das aventuras, da história, e outra (revelada ou não textualmente) no plano das figuras empreendidas nas aventuras.
Segundo Todorov (1980: 64), A Demanda do Santo Graal é uma narrativa em que “ a importância do acontecimento é menor do que a percepção que temos dele, do grau de conhecimento que dele possuímos”. Todorov dá a esse tipo de narrativa o nome de gnoseológica ou epistêmica. Dessa forma, podemos considerar que, n’A Demanda, o desvelar da alegoria torna-se fator fundamental para a percepção do significado da obra. Com isso, não se quer diminuir o interessante enlaçar dos episódios em sua feitura literária, mas sim unir, a esse enlaçar, o componente fundamental da obra, seu significado que extrapola os limites dos acontecimentos.
N’A Demanda do Santo Graal a alegoria apresenta-se como meio de veiculação das ideologias textuais. O tempo e o espaço nas narrativas também transformam-se em alegorias, na medida em que interagem, harmonicamente, com outras alegorias do texto.
Tendo por base essas reflexões acerca da alegoria é que se pode realizar a leitura do episódio d’A Demanda do Santo Graal, escolhido para esse estudo.
O episódio relata a morte da irmã de Persival (Nunes, 1995: 329). É importante ressaltar que A Demanda apresenta as personagens femininas de forma bastante estereotipada. São ressaltados os elementos que apontam para a castidade e a pureza, sendo que os atributos físicos, dentre vários outros elementos, são considerados armadilhas do Mal. A irmã de Persival é um exemplo moral, primeiramente direcionado às mulheres e, em Segunda instância, na forma de alegoria, direcionado aos cristãos. Essa personagem é uma jovem pura e casta, irmã de Persival, um dos melhores e mais puros cavaleiros da narrativa. Durante um bom trecho do texto, a irmã de Persival acompanha os três protagonistas da narrativa (Boorz, Galaaz e Persival) em suas incursões até que eles chegam a um castelo e são aprisionados.
A dona do castelo onde são aprisionados os jovens era leprosa e o costume do lugar consistia no fato de que todas as jovens virgens que por ali passassem deveriam encher uma escudela de sangue, para que a dona do castelo nele se banhasse, na tentativa de curar-se; se isso não fosse feito, os cavaleiros seriam mortos. Por ser muito jovem e delicada, a irmã de Persival não resistiria à sangria, então os jovens cavaleiros decidiram lutar por ela, mesmo que isso pudesse implicar no fim da busca ao Graal. No entanto, a donzela decidiu realizar o sacrifício, de modo que os cavaleiros pudessem seguir seu caminho em busca do Graal. Assim, a jovem sacrifica-se em favor da dona do castelo e de seus amigos. Assim diz o texto d’A Demanda (1995:329):
Dês i ferirom-na no braço destro de ũũ ferro qual convém a aquel mester e o sangue começou a sair e ela se sinou e comendou-se a Nosso Senhor. E depois disse aa dona:
- Eu som morta por guarecerdes vós. Por Deus rogade por minha alma.
E depois que a escudela foi chea de sangue esmoreceu ela e os III cavaleiros forom-lhe ao braço e estancarom-lhe o sangue e çarraron-lhe a ferida. E depois jouve gram peça esmorecida e acordou e disse:
- Irmão Persival, eu moiro por saúde desta dona. (Nunes, 1995:329)
Vê-se que o auto-sacrifício aproxima a donzela da figura de Cristo. O sangue, símbolo da redenção cristã, é altamente explorado nesse episódio. A aproximação com o sacrifício de Cristo estende-se até a frase que evoca o perdão divino e exalta a piedade em relação aos opressores (retomando Cristo que, em sua morte, segundo os evangelhos, perdoou seus inimigos e opressores). O sacrifício da irmã de Persival e o derramamento de seu sangue curam a mulher leprosa e também permite que os três cavaleiros, presos no castelo, prossigam suas “aventuras” em busca do santo Graal. A aparente fragilidade da jovem em relação aos fortes cavaleiros também remete a Cristo, que como um cordeiro sacrificial admite em si o sacrifício em favor de outros.
Da mesma sorte, a concepção teológica cristã admite que o sacrifício de Cristo é a chave que permite o acesso a Deus, que redime o homem, e o faz livre para a busca divina, como consta no livro bíblico de João “ Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito para que todo aquele que Nele crê não pereça mas tenha a vida eterna” (João, cap.3, v.16). Da mesma forma, o sacrifício de Cristo serviu aos maus (alegoria da dona do castelo) e aos bons (alegoria dos cavaleiros)
Isso é reforçado pela simbologia existente na seqüência do texto, quando uma grande tempestade derruba os muros do castelo, aparentemente indestrutíveis (Nunes, 1995:330); tão fortes eram esses muros que os melhores cavaleiros não o puderam transpor. Vê-se, aqui, a água como símbolo de transformação. A quebra do muro indica a liberdade e o fim da prisão de tantos outros que poderiam por ali passar - tudo isso, motivado pelo sacrifício da donzela que representa o sacrifício de Cristo.
A irmã de Persival, durante vários episódios, tinha acompanhado os três cavaleiros, mostrando a mesma dignidade e honra que estes, bem como fé e vida compatíveis às deles (fato demonstrado pela presença dela, em episódios anteriores, na barca do rei Salomão, barca, esta, preparada por esse rei de Israel há séculos para o dia em que seria usada por Galaaz; a barca, que era sustentada pela fé (Nunes, 1995:318) e pela providência divina, conduziu pelos mares os heróis até Corberic, o castelo do Graal).
É importante notar que a figura da irmã de Persival é sublime, santa e, portanto, digna de admiração e respeito pelos três cavaleiros que fazem grande lamento pela morte dela. O fato dela figurar entre os dois castos e fiéis cavaleiros d’A Demanda, Galaaz e Persival, só pode ser visto como uma exaltação a essa personagem e, de certa forma, uma homenagem a um procedimento cristão efetivado por uma mulher. Note-se que essa personagem não era uma mulher comum, mas possuidora de uma aura de santidade que a eleva à condição de exemplo a ser seguido, em um texto no qual evidencia-se olhares apreensivos em relação ao feminino.
É interessante notar que, embora ativamente participante de boa parte das aventuras de Galaaz, Percival e Boorz, a irmã de Persival não possui um nome próprio (nomeação que individualiza e traz à existência as coisas), o que a torna uma personagem cuja existência é anulada em benefício de suas ações; ou seja, não importa seu nome ou quem ela seja ( só temos a referência “irmã de Persival” - logo, o referente é Persival); importam somente suas ações, e estas sim são dignas de serem lembradas e alegorizadas.
Pode-se concluir, nessa breve análise, que a narrativa d’A Demanda do Santo Graal procura estabelecer, pelo uso da alegoria e das representações de âmbito moral e religioso um movimento especular, por meio do qual o leitor pode, durante sua leitura, visualizar o universo cristão e as interpretações clericais dos escritos bíblicos, de modo que se veicule um processo ideológico proveniente do direcionamento didático de alegorias e figuras. Esse direcionamento instaura-se por todo o texto gerando ligações entre o tema geral da narrativa, que é a busca do Graal (alegoria do Espírito Santo, da comunhão com Deus), e os episódios internos, conferindo o desencadeamento necessário para a criação de uma unidade discursiva.
RESUMO: O presente trabalho busca realizar um estudo dos elementos ideológicos e alegóricos d’A Demanda do Santo Graal (edição de Irene Freire Nunes, 1995), usando para isto, o episódio da morte da irmã de Persival.
PALAVRAS-CHAVE: novela de cavalaria; elementos cristãos; alegoria.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENJAMIM, Walter. Sobre el problema de la filosofia futura y otros ensayos. Trad. Roberto J. Vernengo. Caracas: Monte Avila Editores, 1961.
CHEVALIER, Jean. e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 9.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1995.
GUREVITCH, Aron I. As categorias da Cultura Medieval. Trad. J. G. Monteiro. Lisboa: Caminho, 1991 (Coleção Universitária).
KOTHE, Flávio R. A alegoria. São Paulo: Ática, 1986. (Série Princípios)
NUNES, Irene F. A Demanda do Santo Graal. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1995.
TODOROV, Tzvetan. A Demanda da Narrativa. In: _____. As Estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 1970. p.167-190.
THOMPSON, Frank, C. Bíblia de referência Thompson. Trad. João F. Almeida. São Paulo: Vida, 2000.
Tais histórias de amor não são melancólicas e platônicas como o que aparece nas cantigas: o herói cultua a amada, mas não se contenta apenas em vê-la; ele quer e é correspondido pela amada, que por ser casada (ou religiosa: "casada com Cristo"), torna-se adúltera para concretizar o seu amor; os obstáculos incentivam o herói na fase de conquista (o que é proibido é mais gostoso), ao invés de torná-lo impotente como acontece nas cantigas; a esse amor físico, adúltero, presente nas novelas e xácaras medievais, dá-se o nome de AMOR CORTÊS, em que o casal central não tem final feliz e é severamente punido pelo pecado cometido.
Nesses episódios eróticos são revelados até relacionamentos homossexuais ( rei Artur e Lancelote, rei Ricardo Coração de Leão...)
Os heróis medievais não têm a força física exagerada dos heróis da Antigüidade, mas são sempre jovens, belos e elegantes. Suas amadas são sempre "as mais belas do reino". A maioria das novelas de cavalaria portuguesas são traduções ou adaptações de novelas francesas ou inglesas. Dependendo de quem é o herói principal da novela, ela faz parte de um dos seguintes CICLOS:
a) CICLO GRECO-ROMANO OU CLÁSSICO: conjunto de novelas de cavalaria que narram as façanhas de heróis da Antigüidade;
b) CICLO CAROLÍNGEO OU FRANCÊS: novelas cujo herói é Carlos Magno;
c) CICLO ARTURIANO OU BRETÃO: as novelas deste ciclo são as mais famosas, adaptadas e traduzidas; o herói dessas novelas é o Rei Artur , sempre acompanhado de seus célebres cavaleiros da távola redonda.
Essa "MATÉRIA DA BRETANHA" é uma das fontes que dão origem às novelas de cavalaria portuguesas: tanto que as novelas portuguesas mais importantes pertencem ao Ciclo Arturiano ou Bretão, como "José de Arimatéia", "História de Merlin", etc. As novelas mais marcantes porém são:
a)"A DEMANDA DO SANTO GRAAL" : narra a busca do cálice sagrado pelo rei Artur e os cavaleiros da távola redonda;
b)"AMADIS DE GAULA", de autoria de Vasco ou João da Lobeira.
As novelas de cavalaria portuguesas também são inspiradas nas CANÇÕES DE GESTA francesas (cantigas que homenageavam os heróis e seus feitos). A prosa medieval portuguesa, como se pode concluir, é predominantemente do GÊNERO ÉPICO.
A Literatura Medieval Portuguesa expressa a simplicidade, a ingenuidade e a passividade do homem medieval e contém marcas do contexto em que foi produzida. Completamente dominado pelo medo do pecado e com o objetivo de agradar sempre a Deus, o homem medieval ainda consegue fazer uma literatura que em determinados momentos rompe com esse domínio: é o caso das novelas de cavalaria, dos romances ou xácaras. O segundo período medieval vai mostrar que esse "rompimento" vai aumentando com o passar do tempo, até que o homem consegue sair das TREVAS MEDIEVAIS definitivamente.
Visite , no link abaixo,a Dissertação de Mestrado em Letras de Cristina Helena Carneiro
BRUXAS E FEITICEIRAS EM NOVELAS DE CAVALARIA DO CICLO ARTURIANO: O REVERSO DA FIGURA FEMININA?
http://www.ple.uem.br/defesas/pdf/chcarneiro.pdf
Visite e leia “ O imaginário cristão nas novelas de cavalaria e nas cantigas de amor, de Hilda Magalhães(Faça downlound)
http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2227063
NOVELAS: A Demanda do Santo Graal
http://auladeliteraturaportuguesa.blogspot.com/2009/05/demanda-do-santo-graal.html
Demanda do Santo Graal é a adaptação e a tradução das novelas francesas que tinham como tema as aventuras do Rei Artur e dos cavaleiros da Távola Redonda. Entre esses cavaleiros, sobressaem Lançarote do Lago, Boors de Gaunes, Galvão, Perceval e Galaaz. Este último era filho de Lançarote e tinha por missão encontrar o Santo Graal, isto é, o vaso onde fora recolhido o sangue de Cristo na cruz e que estava escondido no castelo de Corbenic, na Britânia. O manuscrito português encontra-se na Biblioteca Nacional de Viena (catalogado com o número 2594) e contém várias redacções feitas entre os séculos XIII e XV. É considerado o mais fiel e o mais completo de todos os que contêm as novelas do chamado Ciclo Bretão.
Edições da obra: Augusto Magne, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1944; Augusto Magne, Rio de Janeiro, 1955-1970, 2 vols.; Joseph Maria Piel, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1988; Irene Freire Nunes, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1995.
DEMANDA DO SANTO GRAAL
Véspera de Pinticoste foi grande gente assüada em Camaalot, assi que podera homem i veer mui gram gente, muitos cavaleiros e muitas donas mui bem guisadas. El-rei, que era ende mui ledo, honrou-os muito e feze-os mui bem servir; e toda rem que entendeo per que aquela corte seeria mais viçosa e mais leda, todo o fez fazer.
Aquel dia que vos eu digo, direitamente quando queriam poer as mesas – esto era ora de noa – aveeo que üa donzela chegou i, mui fremosa e mui bem vestida. E entrou no paaço a pee, como mandadeira. Ela começou a catar de üa parte e da outra, pelo paaço; e perguntavam-na que demandava.
– Eu demando – disse ela – por Dom Lançarot do Lago. É aqui?
– Si, donzela – disse üu cavaleiro. Veede-lo: stá aaquela freesta, falando com Dom Gualvam.
Ela foi logo pera el e salvô-o. Ele, tanto que a vio, recebeo-a mui bem e abraçou-a, ca aquela era üa das donzelas que moravam na Insoa da Lediça, que a filha Amida del-rei Peles amava mais que donzela da sua companha i.
– Ai, donzela! – disse Lançalot –que ventura vos adusse aqui, que bem sei que sem razom nom veestes vós?
– Senhor, verdade é; mais rogo-vos, se vos aprouguer, que vaades comigo aaquela foresta de Camaalot; e sabede que manhãa, ora de comer, seeredes aqui.
– Certas, donzela – disse el – muito me praz; ca teúdo e soom de vos fazer serviço em tôdalas cousas que eu poder.
Entam pedio suas armas. E quando el-rei vio que se fazia armar a tam gram coita, foi a el com a raïa e disse-lhe:
– Como leixar-nos queredes a atal festa, u cavaleiros de todo o mundo veem aa corte, e mui mais ainda por vos veerem ca por al – deles por vos veerem e deles por averem vossa companha?
– Senhor, – disse el – nom vou senam a esta foresta com esta donzela que me rogou; mais cras, ora de terça, seerei aqui.
Entom se saío Lançarot do Lago e sobio em seu cavalo, e a donzela em seu palafrem; e forom com a donzela dous cavaleiros e duas donzelas. E quando ela tornou a eles, disse-lhes:
– Sabede que adubei o por que viim: Dom Lançarot do Lago se irá comnosco.
Entam se filharom andar e entrarom na foresta; e nom andarom muito per ela que chegarom a casa do ermitam que soía a falar com Gualaz. E quando el vio Lançarot ir é a donzela, logo soube que ia pera fazer Gualaaz cavaleiro, e leixou sua irmida por ir ao mosteiro das donas, ca nom queria que se fosse Gualaaz ante que o el visse, ca bem sabia que, pois se el partia dali, que nom tornaria i, ca lhe convenria e, tanto que fosse cavaleiro, entrar aas venturas do reino de Logres. E por esto lhe semelhava que o avia perdudo e que o nom veeria a meude, e temia, ca avia em ele mui grande sabor, porque era santa cousa e santa creatura.
Quando eles cheguarom aa abadia, levarom Lançarot pera üa camara, e desarmarom-no. E vëo a ele a abadessa com quatro donas, e adusse consigo Gualaaz: tam fremosa cousa era, que maravilha era; e andava tam bem vesådo, que nom podia milhor. E a abadessa chorava muito com prazer. Tanto que vio Lançarot, disse-lhe:
– Senhor, por Deos, fazede vós nosso novel cavaleiro, ca nom queriamos que seja cavaleiro por mão doutro; ca milhor cavaleiro ca vós nom no pode fazer cavaleiro; ca bem crcemos que ainda seja tam bõo que vos acharedes ende bem, e que será vossa honra de o fazerdes; e se vos el ende nom rogasse, vó-lo devíades de fazer, ca bem sabedes que é vosso filho.
– Gualaaz – disse Lançalot – queredes vós seer cavaleiro?
El respondeo baldosamente:
– Senhor, se prouvesse a vós, bem no queria seer, ca nom há cousa no mundo que tanto deseje como honra de cavalaria, e seer da vossa mão, ca doutra nom. no: queria seer, que tanto vos auço louvar e preçar de cavalaria, que nenhüu, a meu cuidar, nom podia seer covardo nem mao que vós fezéssedes cavaleiro. E esto é üa das cousas do mundo que me dá maior esperança de seer homem bõo e bõo cavaleiro.
– Filho Gualaaz – disse Lançalot – stranhamente vos fez Deos fremosa creatura. Par Deos, se vós nom cuidades seer bõo homem ou bõo cavaleiro, assi Deos me conselhe, sobejo seria gram dapno e gram malaventura de nom seerdes bõo cavaleiro, ca sobejo sedes fremoso.
E ele disse:
– Se me Deos fez assi fremoso, dar-mi-á bondade, se lhe prouver; ca, em outra guisa, valeria pouco. E ele querrá que serei bõo e cousa que semelhe minha linhagem e aaqueles onde eu venho; e metuda ei minha sperança em Nosso Senhor. E por esto vos rogo que me façades cavaleiro.
E Lançalot respondeo:
– Filho, pois vos praz, eu vos farei cavaleiro. E Nosso Senhor, assi como a el aprouver e o poderá fazer, vos faça tam bõo cavaleiro como sodes fremoso.
E o irmitam respondeo a esto:
– Dom Lançalot, nom ajades dulda de Galaaz, ca eu vos digo que de bondade de cavalaria os milhores cavaleiros do mundo passará.
E Lançalot respondeo:
– Deos o faça assi como eu queria.
Entam começarom todos a chorar com prazer quantos no lugar stavam.
Demanda do Santo Graal, fl. I, ed. de Augusto Magne, 1955-1970.
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LEITURAS ACERCA D’A DEMANDA DO SANTO GRAAL
(READINGS OF A DEMANDA DO SANTO GRAAL)
Sandra Salviato TERRA (Unesp – Araraquara/ Fapesp)
0. Introdução
O presente trabalho tem por objetivo apresentar alguns postulados sócio-cristãos presentes na composição da novela de cavalaria A Demanda do Santo Graal (edição de Irene Freire Nunes, 1995). A Demanda do Santo Graal é uma composição do século XIII (1230 – 1240) e, embora sua autoria não possa ser determinada, acredita-se que ela tenha sido composta por algum membro de ordem eclesiástica. Essa idéia apoia-se na presença de inúmeros elementos textuais que implicam em processos de leitura com diversas apreensões de significado, em sua maioria, regidos pelo pensamento religioso. Pretende-se evidenciar, por meio da análise de um episódio da narrativa, a saber, “A morte da irmã de Persival” (Nunes, 1995:329), a relação ideológica/cristã e o movimento especular que se manifesta por meio de alegorias e símbolos. No caso d’A Demanda, as alegorias apontam para o mundo espiritual, devido ao enfoque da obra nos princípios regidos pela religião e pela interpretação que se faz dos escritos religiosos. Evidentemente, não se ignoram os elementos de origem celta presentes no texto, mas busca-se evidenciar, aqui, os elementos advindos do processo de assimilação do cristianismo.
A Demanda do Santo Graal é um texto de marcas reacionárias em relação ao propósito básico das novelas de cavalaria, uma vez que adota como modelo a existência de cavaleiros/sacerdotes, ou seja, cavaleiros mais preocupados com a vida espiritual e batalhas de valor alegórico do que com o tradicional enfoque nas damas e nas lutas. Dessa forma, o texto d’A Demanda, apropria-se de um modelo interpretativo aplicável, na Idade Média, aos textos sacros, em especial os textos bíblicos. Esse modelo poderia ser resumido da máxima de Rabão Mauro (apud Gurevitch, 1991:104) “ Littera gesta docet, quid credes allegoria, moralis quo agas, quo tendas anagogia”, que poderia ser compreendida da seguinte maneira: O sentido literal informa sobre aquilo que se passou, a alegoria sobre aquilo em que acreditas, a moral indica como agir e a anagogia para onde te encaminhas.
De acordo com a máxima, pode-se realizar a leitura de textos buscando seu sentido literal, ou seja, a leitura pautada no plano das ações dos personagens e pode-se, também, observar outro tipo de leitura – a alegórica. Nesse sentido, o texto torna-se um vasto universo de símbolos e ilustrações que remetem ao universo mítico cristão. Nessa leitura, inserem-se as repreensões morais e as relações anagógicas que implicam na interpretação de um mundo transcendente. Nesse estudo, observa-se como os procedimentos citados apresentam-se, por meio de diversas acepções de leitura do texto, bem como, a atuação desses procedimentos na construção de sentido da obra
1. 1. Perspectiva teórica e análise
O texto d’A Demanda propõe-se como um modelo não só de conduta carnal, mas espiritual. Assim, a leitura, em seu sentido literal, apresenta uma narrativa, uma história a ser desfrutada pelo leitor. A leitura alegórica, permite a interpretação diferente, que segundo Compagnon (1999:56), se dá pela tentativa de compreender a “intenção oculta de um texto pelo deciframento de suas figuras”. Sendo assim, tem-se na obra a alegoria como uma questão de intenção, vinda da parte de uma consciência criativa que assume uma concepção cristã de compreensão do mundo, e a alegoria como uma questão de estilo, matéria de composição da obra enquanto escritura.
Cumpre considerar, ainda, que o pensamento medieval é caracterizado pela alegoria e isso faz com que o mundo seja visualizado como um símbolo, regido e estruturado por Deus, uma vez que o pensamento religioso dominava a sociedade. Dessa forma, as realidades materiais e as realidades imaginárias confundiam-se, sendo passíveis de alegorização. O homem medieval concebia um dualismo de idéias, tais como o Bem e o Mal, que por sua vez relaciona-se ao alto e ao baixo, entre outras relações.
Esse dualismo típico do homem medieval é que fortalecia a concepção alegórica do mundo. Como a própria etimologia da palavra apresenta, a alegoria pauta-se na existência do outro. Benjamim (1961) concebe a alegoria como o discurso através do outro. Assim, sendo a alegoria mais que sua clássica definição de representação concreta de uma idéia abstrata, ela traduz-se como um discurso no qual se utiliza o outro como referência. Kothe (1986:6) afirma que a alegoria é o “cerne da obra de arte e de sua representação”.
A afirmação de Kothe traz uma reflexão acerca do processo artístico. Entretanto, há períodos, como é o caso do período medieval, no qual a alegoria constitui-se, também, como forma estilística, traduzindo-se como uma prioridade para a apresentação da arte. Na literatura e, especificamente, nas novelas de cavalaria, pode-se observar esse uso com bastante propriedade.
É importante observar que a alegoria presente nos textos estudados aqui não é apenas recurso estilístico, mas também um instrumento ideológico.
Assim, pode-se realizar uma leitura baseada no plano das aventuras, da história, e outra (revelada ou não textualmente) no plano das figuras empreendidas nas aventuras.
Segundo Todorov (1980: 64), A Demanda do Santo Graal é uma narrativa em que “ a importância do acontecimento é menor do que a percepção que temos dele, do grau de conhecimento que dele possuímos”. Todorov dá a esse tipo de narrativa o nome de gnoseológica ou epistêmica. Dessa forma, podemos considerar que, n’A Demanda, o desvelar da alegoria torna-se fator fundamental para a percepção do significado da obra. Com isso, não se quer diminuir o interessante enlaçar dos episódios em sua feitura literária, mas sim unir, a esse enlaçar, o componente fundamental da obra, seu significado que extrapola os limites dos acontecimentos.
N’A Demanda do Santo Graal a alegoria apresenta-se como meio de veiculação das ideologias textuais. O tempo e o espaço nas narrativas também transformam-se em alegorias, na medida em que interagem, harmonicamente, com outras alegorias do texto.
Tendo por base essas reflexões acerca da alegoria é que se pode realizar a leitura do episódio d’A Demanda do Santo Graal, escolhido para esse estudo.
O episódio relata a morte da irmã de Persival (Nunes, 1995: 329). É importante ressaltar que A Demanda apresenta as personagens femininas de forma bastante estereotipada. São ressaltados os elementos que apontam para a castidade e a pureza, sendo que os atributos físicos, dentre vários outros elementos, são considerados armadilhas do Mal. A irmã de Persival é um exemplo moral, primeiramente direcionado às mulheres e, em Segunda instância, na forma de alegoria, direcionado aos cristãos. Essa personagem é uma jovem pura e casta, irmã de Persival, um dos melhores e mais puros cavaleiros da narrativa. Durante um bom trecho do texto, a irmã de Persival acompanha os três protagonistas da narrativa (Boorz, Galaaz e Persival) em suas incursões até que eles chegam a um castelo e são aprisionados.
A dona do castelo onde são aprisionados os jovens era leprosa e o costume do lugar consistia no fato de que todas as jovens virgens que por ali passassem deveriam encher uma escudela de sangue, para que a dona do castelo nele se banhasse, na tentativa de curar-se; se isso não fosse feito, os cavaleiros seriam mortos. Por ser muito jovem e delicada, a irmã de Persival não resistiria à sangria, então os jovens cavaleiros decidiram lutar por ela, mesmo que isso pudesse implicar no fim da busca ao Graal. No entanto, a donzela decidiu realizar o sacrifício, de modo que os cavaleiros pudessem seguir seu caminho em busca do Graal. Assim, a jovem sacrifica-se em favor da dona do castelo e de seus amigos. Assim diz o texto d’A Demanda (1995:329):
Dês i ferirom-na no braço destro de ũũ ferro qual convém a aquel mester e o sangue começou a sair e ela se sinou e comendou-se a Nosso Senhor. E depois disse aa dona:
- Eu som morta por guarecerdes vós. Por Deus rogade por minha alma.
E depois que a escudela foi chea de sangue esmoreceu ela e os III cavaleiros forom-lhe ao braço e estancarom-lhe o sangue e çarraron-lhe a ferida. E depois jouve gram peça esmorecida e acordou e disse:
- Irmão Persival, eu moiro por saúde desta dona. (Nunes, 1995:329)
Vê-se que o auto-sacrifício aproxima a donzela da figura de Cristo. O sangue, símbolo da redenção cristã, é altamente explorado nesse episódio. A aproximação com o sacrifício de Cristo estende-se até a frase que evoca o perdão divino e exalta a piedade em relação aos opressores (retomando Cristo que, em sua morte, segundo os evangelhos, perdoou seus inimigos e opressores). O sacrifício da irmã de Persival e o derramamento de seu sangue curam a mulher leprosa e também permite que os três cavaleiros, presos no castelo, prossigam suas “aventuras” em busca do santo Graal. A aparente fragilidade da jovem em relação aos fortes cavaleiros também remete a Cristo, que como um cordeiro sacrificial admite em si o sacrifício em favor de outros.
Da mesma sorte, a concepção teológica cristã admite que o sacrifício de Cristo é a chave que permite o acesso a Deus, que redime o homem, e o faz livre para a busca divina, como consta no livro bíblico de João “ Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito para que todo aquele que Nele crê não pereça mas tenha a vida eterna” (João, cap.3, v.16). Da mesma forma, o sacrifício de Cristo serviu aos maus (alegoria da dona do castelo) e aos bons (alegoria dos cavaleiros)
Isso é reforçado pela simbologia existente na seqüência do texto, quando uma grande tempestade derruba os muros do castelo, aparentemente indestrutíveis (Nunes, 1995:330); tão fortes eram esses muros que os melhores cavaleiros não o puderam transpor. Vê-se, aqui, a água como símbolo de transformação. A quebra do muro indica a liberdade e o fim da prisão de tantos outros que poderiam por ali passar - tudo isso, motivado pelo sacrifício da donzela que representa o sacrifício de Cristo.
A irmã de Persival, durante vários episódios, tinha acompanhado os três cavaleiros, mostrando a mesma dignidade e honra que estes, bem como fé e vida compatíveis às deles (fato demonstrado pela presença dela, em episódios anteriores, na barca do rei Salomão, barca, esta, preparada por esse rei de Israel há séculos para o dia em que seria usada por Galaaz; a barca, que era sustentada pela fé (Nunes, 1995:318) e pela providência divina, conduziu pelos mares os heróis até Corberic, o castelo do Graal).
É importante notar que a figura da irmã de Persival é sublime, santa e, portanto, digna de admiração e respeito pelos três cavaleiros que fazem grande lamento pela morte dela. O fato dela figurar entre os dois castos e fiéis cavaleiros d’A Demanda, Galaaz e Persival, só pode ser visto como uma exaltação a essa personagem e, de certa forma, uma homenagem a um procedimento cristão efetivado por uma mulher. Note-se que essa personagem não era uma mulher comum, mas possuidora de uma aura de santidade que a eleva à condição de exemplo a ser seguido, em um texto no qual evidencia-se olhares apreensivos em relação ao feminino.
É interessante notar que, embora ativamente participante de boa parte das aventuras de Galaaz, Percival e Boorz, a irmã de Persival não possui um nome próprio (nomeação que individualiza e traz à existência as coisas), o que a torna uma personagem cuja existência é anulada em benefício de suas ações; ou seja, não importa seu nome ou quem ela seja ( só temos a referência “irmã de Persival” - logo, o referente é Persival); importam somente suas ações, e estas sim são dignas de serem lembradas e alegorizadas.
Pode-se concluir, nessa breve análise, que a narrativa d’A Demanda do Santo Graal procura estabelecer, pelo uso da alegoria e das representações de âmbito moral e religioso um movimento especular, por meio do qual o leitor pode, durante sua leitura, visualizar o universo cristão e as interpretações clericais dos escritos bíblicos, de modo que se veicule um processo ideológico proveniente do direcionamento didático de alegorias e figuras. Esse direcionamento instaura-se por todo o texto gerando ligações entre o tema geral da narrativa, que é a busca do Graal (alegoria do Espírito Santo, da comunhão com Deus), e os episódios internos, conferindo o desencadeamento necessário para a criação de uma unidade discursiva.
RESUMO: O presente trabalho busca realizar um estudo dos elementos ideológicos e alegóricos d’A Demanda do Santo Graal (edição de Irene Freire Nunes, 1995), usando para isto, o episódio da morte da irmã de Persival.
PALAVRAS-CHAVE: novela de cavalaria; elementos cristãos; alegoria.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENJAMIM, Walter. Sobre el problema de la filosofia futura y otros ensayos. Trad. Roberto J. Vernengo. Caracas: Monte Avila Editores, 1961.
CHEVALIER, Jean. e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 9.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1995.
GUREVITCH, Aron I. As categorias da Cultura Medieval. Trad. J. G. Monteiro. Lisboa: Caminho, 1991 (Coleção Universitária).
KOTHE, Flávio R. A alegoria. São Paulo: Ática, 1986. (Série Princípios)
NUNES, Irene F. A Demanda do Santo Graal. Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1995.
TODOROV, Tzvetan. A Demanda da Narrativa. In: _____. As Estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 1970. p.167-190.
THOMPSON, Frank, C. Bíblia de referência Thompson. Trad. João F. Almeida. São Paulo: Vida, 2000.
Trovadorismo (1198 – 1418) por Wagner Batizelli
Contexto Histórico
Para quem acha que a literatura portuguesa inicia-se do nada está enganado. O primeiro movimento literário que se tem notícia é o Trovadorismo. Iniciou-se por volta de 1198, durante a guerra de reconquista do solo português. A região sul de Portugal estava sob o domínio árabe, mas foi totalmente reconquistado em 1249 pelo rei D. Afonso III.
Com esse tumulto, durante o processo de reconquista do território português, cavaleiros cristãos que vinham de diferentes partes da Europa iniciaram o processo de expulsão dos árabes (considerados indesejados) e ainda habitavam a Península Ibérica. Esse período da história ficou marcado pelo feudalismo, que foi o sistema político e econômico da Idade Média sustentado sobre a hierarquia de suseranos (proprietários de grandes extensões de terras) e vassalos (aqueles que se subordinam ao suserano e deviam prestar obediência, submissão e pagar taxas e contribuições).
A sociedade daquela época era tipicamente rural e o comércio bastante diferente daquele que conhecemos hoje, pois não existia o dinheiro. Eram feitas trocas de mercadorias e as principais atividades da época eram a pesca e a agricultura, cultivadas pelos servos. Nesta época medieval cercada por inúmeras guerras, os feudos tinham que se proteger de alguma forma. Assim como nós temos a proteção de nossos policiais, naquela época existiam os cavaleiros, além de proteger tinham a obrigação de servir a Deus, à Igreja e ao suserano.
Foram estes cavaleiros que fizeram parte das cruzadas, um dos mais importantes movimentos da Idade Média. As cruzadas, nada mais eram do que expedições armadas e patrocinadas pela Igreja, que tinham por objetivo recuperar os lugares santos que estavam sob o domínio muçulmano. A população da época tinha uma religiosidade aflorada e por conta disso tornou-se um marco na cultura medieval e tinha como fundamento o TEOCENTRISMO, ou seja, Deus era visto como o centro de todas as coisas.
Este pensamento só tornou-se possível, graças ao momento histórico caótico vivido na época. O povo procurava apoio e ajuda na religião para as dificuldades encontradas neste mundo e a salvação após a morte.
Manifestações Artísticas
Você sabe o que é arte românica e estilo gótico?
É muito simples entender a diferença entre os dois. Basta fazer uma breve observação e a diferença ficará bastante clara. A arte românica caracterizou o uso do arco redondo e paredes de pedras grossas. Predominou as linhas horizontais e janelas pequenas que foram construídas por peregrinos, viajantes e cruzados com mão-de-obra gratuita. Já no estilo gótico é fácil perceber que há uma leveza de estilo. As janelas são imensas, os vitrais são coloridos e as torres parecem mãos que se elevam ao céus em sinal de prece. É neste momento que a pintura e a escultura ganham maior autonomia e as figuras, passam a ter uma crescente humanização.
No estilo gótico percebemos que há uma leveza de estilo. As janelas são imensas, os vitrais são coloridos e as torres parecem mãos que se elevam ao céus em sinal de prece. É exatamente neste momento que a pintura e a escultura ganham maior autonomia e as figuras passam a ter uma crescente humanização.
A Poesia Medieval Portuguesa
Para aqueles que não fazem idéia do que são os textos poéticos da época medieval é simples entender. A poesia da época era acompanhada por dança e música, mais conhecidas por cantigas. Com essas manifestações, muitos artistas apareceram:
- Trovador: era o poeta que compunha as letras e as músicas das canções. Quase sempre era um nobre;
- Jogral, Segrel, Menestrel: Possuía condições financeiras inferiores e cantavam as poesias produzidas pelos trovadores;
- Soldadeira ou jogralesa: moça que cantava e tocava enquanto dançava.
A Poesia Lírico-Amorosa
Cantiga de Amor - Os portugueses não se limitavam à imitação e mostravam grande sinceridade e lirismo em suas composições. A cantiga de amor possui influência provençal, ou seja, ela vem lá de Provença, na França. A cantiga de amor tem como característica o ambiente palaciano, quer dizer, nos palácios dos reis. O eu-lírico é masculino, pois o trovador é quem fala a sua amada, mas sem revelar o seu nome. Na cantiga há o amor cortês. O trovador presta vassalagem amorosa a sua amada e a serve com fidelidade. Veja o trecho abaixo:
“Quer’eu maneira de proençal
Fazer agora um canto d’amor (...)”
Cantiga de Amigo - A cantiga de amigo é de origem popular e tem como característica o ambiente rural. A mulher é sempre uma camponesa, o eu-lírico é feminino, mas são escritas por homens. Na cantiga a mulher sofre muito porque está separada do amante ou namorado. Há também a presença de outros personagens que dialogam com a mulher, como as amigas, a mãe e elementos da natureza, como as flores, as ondas do mar etc. A concepção é mais humana do amor e há presença de paralelismo (construção que se repete com pequenas variações a cada estrofe). Veja um trecho da cantiga de amigo abaixo:
“ Ai eu coitada,
como vivo em gran cuidado
por meu amigo
que ei alongado! (...)”
A Poesia Satírica
No Trovadorismo observamos a presença das cantigas de escárnio e as de maldizer. Qual é a importância delas? As cantigas são importantes porque se aproximam da vida e dos costumes da sociedade. Contribuíram para o aprimoramento da língua literária e exploravam os jogos de palavras e ambigüidades. As cantigas referem-se à vida dos jograis e relatavam os escândalos, os vícios e excessos de toda ordem e rivalidade profissional. Além disso, eram feitas críticas ao burguês, ao nobre mesquinho, ao clero e a fraqueza dos nobres portugueses que não conseguiam derrotar os árabes.
O Desaparecimento do Trovadorismo e o Aparecimento da Prosa
Em um dado momento da história iniciou-se uma crise no sistema feudal. A falta de segurança nos feudos, a superlotação, a valorização da vida cortês e a influência da Igreja fizeram com que a estrutura feudal começasse a desaparecer de vez. Tudo virou uma verdadeira bagunça. Com essa intensa movimentação na história da Literatura Medieval houve o aparecimento da Prosa.
As mais conhecidas são as Novelas de Cavalarias que surgiram das Canções de Gesta (antigos poemas de assuntos guerrilheiros):
- Ciclo Clássico: envolve heróis da mitologia greco-romana;
- Ciclo Carolíngio: narra as aventuras de Carlos Magno e seus guerreiros;
- Ciclo Bretão ou Arturiano: narra as histórias e façanhas do rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda.
Temos um resumo do que foi o primeiro movimento literário em Portugal: o Trovadorismo.
Referências:
MARTINS, Patrícia e LEDO, Teresinha de Oliveira. Guia Prático da Língua Portuguesa. DCL Difusão Cultural, São Paulo, 2003.
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. São Paulo, Cultrix, 2008
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa Através dos Textos. São Paulo, Cultrix, 1997
OLIVEIRA, Ana Tereza Pinto de e REIS, Benedicta Aparecida Costa dos. Mini-manual Compacto de Literatura Portuguesa: teoria e prática. São Paulo, Rideel, 2005
LEITURAS EXTRAS
Visite o espaço do Professor Cid Seixas:
http://cidseixas.blogspot.com/2007/11/entre-fico-e-cincia.html
Para quem acha que a literatura portuguesa inicia-se do nada está enganado. O primeiro movimento literário que se tem notícia é o Trovadorismo. Iniciou-se por volta de 1198, durante a guerra de reconquista do solo português. A região sul de Portugal estava sob o domínio árabe, mas foi totalmente reconquistado em 1249 pelo rei D. Afonso III.
Com esse tumulto, durante o processo de reconquista do território português, cavaleiros cristãos que vinham de diferentes partes da Europa iniciaram o processo de expulsão dos árabes (considerados indesejados) e ainda habitavam a Península Ibérica. Esse período da história ficou marcado pelo feudalismo, que foi o sistema político e econômico da Idade Média sustentado sobre a hierarquia de suseranos (proprietários de grandes extensões de terras) e vassalos (aqueles que se subordinam ao suserano e deviam prestar obediência, submissão e pagar taxas e contribuições).
A sociedade daquela época era tipicamente rural e o comércio bastante diferente daquele que conhecemos hoje, pois não existia o dinheiro. Eram feitas trocas de mercadorias e as principais atividades da época eram a pesca e a agricultura, cultivadas pelos servos. Nesta época medieval cercada por inúmeras guerras, os feudos tinham que se proteger de alguma forma. Assim como nós temos a proteção de nossos policiais, naquela época existiam os cavaleiros, além de proteger tinham a obrigação de servir a Deus, à Igreja e ao suserano.
Foram estes cavaleiros que fizeram parte das cruzadas, um dos mais importantes movimentos da Idade Média. As cruzadas, nada mais eram do que expedições armadas e patrocinadas pela Igreja, que tinham por objetivo recuperar os lugares santos que estavam sob o domínio muçulmano. A população da época tinha uma religiosidade aflorada e por conta disso tornou-se um marco na cultura medieval e tinha como fundamento o TEOCENTRISMO, ou seja, Deus era visto como o centro de todas as coisas.
Este pensamento só tornou-se possível, graças ao momento histórico caótico vivido na época. O povo procurava apoio e ajuda na religião para as dificuldades encontradas neste mundo e a salvação após a morte.
Manifestações Artísticas
Você sabe o que é arte românica e estilo gótico?
É muito simples entender a diferença entre os dois. Basta fazer uma breve observação e a diferença ficará bastante clara. A arte românica caracterizou o uso do arco redondo e paredes de pedras grossas. Predominou as linhas horizontais e janelas pequenas que foram construídas por peregrinos, viajantes e cruzados com mão-de-obra gratuita. Já no estilo gótico é fácil perceber que há uma leveza de estilo. As janelas são imensas, os vitrais são coloridos e as torres parecem mãos que se elevam ao céus em sinal de prece. É neste momento que a pintura e a escultura ganham maior autonomia e as figuras, passam a ter uma crescente humanização.
No estilo gótico percebemos que há uma leveza de estilo. As janelas são imensas, os vitrais são coloridos e as torres parecem mãos que se elevam ao céus em sinal de prece. É exatamente neste momento que a pintura e a escultura ganham maior autonomia e as figuras passam a ter uma crescente humanização.
A Poesia Medieval Portuguesa
Para aqueles que não fazem idéia do que são os textos poéticos da época medieval é simples entender. A poesia da época era acompanhada por dança e música, mais conhecidas por cantigas. Com essas manifestações, muitos artistas apareceram:
- Trovador: era o poeta que compunha as letras e as músicas das canções. Quase sempre era um nobre;
- Jogral, Segrel, Menestrel: Possuía condições financeiras inferiores e cantavam as poesias produzidas pelos trovadores;
- Soldadeira ou jogralesa: moça que cantava e tocava enquanto dançava.
A Poesia Lírico-Amorosa
Cantiga de Amor - Os portugueses não se limitavam à imitação e mostravam grande sinceridade e lirismo em suas composições. A cantiga de amor possui influência provençal, ou seja, ela vem lá de Provença, na França. A cantiga de amor tem como característica o ambiente palaciano, quer dizer, nos palácios dos reis. O eu-lírico é masculino, pois o trovador é quem fala a sua amada, mas sem revelar o seu nome. Na cantiga há o amor cortês. O trovador presta vassalagem amorosa a sua amada e a serve com fidelidade. Veja o trecho abaixo:
“Quer’eu maneira de proençal
Fazer agora um canto d’amor (...)”
Cantiga de Amigo - A cantiga de amigo é de origem popular e tem como característica o ambiente rural. A mulher é sempre uma camponesa, o eu-lírico é feminino, mas são escritas por homens. Na cantiga a mulher sofre muito porque está separada do amante ou namorado. Há também a presença de outros personagens que dialogam com a mulher, como as amigas, a mãe e elementos da natureza, como as flores, as ondas do mar etc. A concepção é mais humana do amor e há presença de paralelismo (construção que se repete com pequenas variações a cada estrofe). Veja um trecho da cantiga de amigo abaixo:
“ Ai eu coitada,
como vivo em gran cuidado
por meu amigo
que ei alongado! (...)”
A Poesia Satírica
No Trovadorismo observamos a presença das cantigas de escárnio e as de maldizer. Qual é a importância delas? As cantigas são importantes porque se aproximam da vida e dos costumes da sociedade. Contribuíram para o aprimoramento da língua literária e exploravam os jogos de palavras e ambigüidades. As cantigas referem-se à vida dos jograis e relatavam os escândalos, os vícios e excessos de toda ordem e rivalidade profissional. Além disso, eram feitas críticas ao burguês, ao nobre mesquinho, ao clero e a fraqueza dos nobres portugueses que não conseguiam derrotar os árabes.
O Desaparecimento do Trovadorismo e o Aparecimento da Prosa
Em um dado momento da história iniciou-se uma crise no sistema feudal. A falta de segurança nos feudos, a superlotação, a valorização da vida cortês e a influência da Igreja fizeram com que a estrutura feudal começasse a desaparecer de vez. Tudo virou uma verdadeira bagunça. Com essa intensa movimentação na história da Literatura Medieval houve o aparecimento da Prosa.
As mais conhecidas são as Novelas de Cavalarias que surgiram das Canções de Gesta (antigos poemas de assuntos guerrilheiros):
- Ciclo Clássico: envolve heróis da mitologia greco-romana;
- Ciclo Carolíngio: narra as aventuras de Carlos Magno e seus guerreiros;
- Ciclo Bretão ou Arturiano: narra as histórias e façanhas do rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda.
Temos um resumo do que foi o primeiro movimento literário em Portugal: o Trovadorismo.
Referências:
MARTINS, Patrícia e LEDO, Teresinha de Oliveira. Guia Prático da Língua Portuguesa. DCL Difusão Cultural, São Paulo, 2003.
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. São Paulo, Cultrix, 2008
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa Através dos Textos. São Paulo, Cultrix, 1997
OLIVEIRA, Ana Tereza Pinto de e REIS, Benedicta Aparecida Costa dos. Mini-manual Compacto de Literatura Portuguesa: teoria e prática. São Paulo, Rideel, 2005
LEITURAS EXTRAS
Visite o espaço do Professor Cid Seixas:
http://cidseixas.blogspot.com/2007/11/entre-fico-e-cincia.html
segunda-feira, 8 de março de 2010
4º Período Letras da Unimontes-HAGIOGRAFIAS
ATIVIDADE II - HAGIOGRAFIAS
O termo hagiografia é de origem grega (hagios - santo; grafia - escrita). Hagiografia seria como uma “biografia”, que consiste na descrição da vida – milagres – morte – canonização – culto de algum santo, beato, virgem, um abade ou demais servos de Deus proclamados por algumas igrejas cristãs, devido a sua vida e pela prática de virtudes cristãs. É o ramo da História da Igreja dedicado à vida e culto dos santos. Também esse estudo é visto em outras religiões como Budismo e Islamismo, acerca de homens e mulheres cujas biografias interessam ao culto ou à crença dos mesmos.
Quem nunca buscou um bom livro sobre a vida dos santos ou daquele de devoção? Quem fez pesquisas em busca da história de vida deste ou daquele santo, para conhecê-lo ou divulgá-lo, com certeza utilizou textos hagiográficos.
Historicamente, podemos situar o uso desse termo a partir do século XVII, quando foi iniciado sistematicamente o estudo sobre os santos, sua vida e culto. Todavia, esse tipo de estudo é muito anterior. Esse tipo de literatura tem início ainda na Antiga Igreja (30-313), quando, a partir de documentos oficiais romanos ou do relato de testemunhas oculares, eram registrados os suplícios dos mártires da Igreja Primitiva. Alguns desses escritos eram trocados pelas comunidades cristãs visando divulgar as ações e a vida dessas pessoas. Ao longo da Idade Média (476-1453) foi consolidada e ampliada, com a expansão do cristianismo e a difusão do culto aos santos. A partir do século XVII foi amplamente divulgada e aprofundada.
Podemos considerar como textos hagiográficos os martirológios e necrológios (catálogos contendo a forma e a data de morte), revelações (aparições, visões, sonhos ou escritos inspirados), vidas dos santos, tratados de milagres, processos de canonização, relatos de trasladação, além de lendas e tradições.
Poucas vezes vemos os santos como autores de tais textos biográficos. Assim, o autor ou autores da obra buscam realçar os grandes escritos, as supostas qualidades extraordinárias da pessoa, a vivência da fé, possíveis milagres e as suas grandes obras.
Existem livros muitos conhecidos, os quais assinalam a vida dos Santos, tais como:
“Legenda Áurea – Vida de Santos”, do autor: Jacopo de Varazze (1226-1298)
Livro foi escrito no século XIII, um clássico da literatura religiosa que alcançou muita popularidade ao longo dos séculos. O objetivo imediato do autor era fornecer aos frades da época, um bom material para a elaboração de sermões, de modo a proporcionar uma pregação mais eficiente. A coletânea conheceu enorme sucesso na Idade Média e se tornou referência nos estudos religiosos. Juntamente com a Bíblia, ele serviu de fonte para pinturas e desenhos sacros. No livro, vemos a história dos Apóstolos e de mais de 140 santos, como Santo Antônio, Francisco de Assis, São João Batista e São Sebastião.
“O Livro dos Mártires”, do autor Jonh Foxe (1517-1587)
A primeira edição deste livro foi publicada em 1559, em latim. Após a entronização da protestante rainha Elizabeth, Foxe voltou à Inglaterra. A tradução inglesa do seu livro foi editada em 1563, sob o título The Actes and Monuments of These Latter and Perilous Dayes. Ficou conhecido popularmente como o Livro dos Mártires, título que permaneceu ao longo dos séculos. O livro reconta as vidas, os sofrimentos, e as mortes triunfantes dos mártires cristãos da história. Ele assinala o a vida e martírio de Jesus, de alguns Apóstolos, de líderes de heresias medievais e de membros da chamada Reforma Protestante... O texto possui a estrutura hagiográfica, contudo, grande parte de seu conteúdo é questionado pela Igreja Católica Romana. O Livro dos Mártires moldou por séculos a consciência religiosa da Inglaterra.
Conclui-se que a maior finalidade dos textos hagiográficos é pedagógica, ou seja, ensinar e edificar os cristãos na fé. Também divulgam os ensinamentos oficiais da Igreja, mostrando manifestações divinas, os valores e virtudes cristãs no exemplo de vida dessas pessoas, propagando seus feitos a todos aqueles que possam ser espelhados por eles. Tais escritos ampliam o culto aos santos e faz com que mais e mais pessoas passem a aprofundar sua Fé, crer mais no poder de Deus e também de participar de Templos e Mosteiros que os têm como padroeiros, por exemplo.
Pesquise a hagiografia dos santos abaixo, de acordo com cada acadêmico.
1. Amanda Gusmão - Santa Cecília
2. Amanda Oliveira - São Judas Tadeu
3. Ana Cláudia - Santa Edwirgens
4. Anne Francielle - São Paulo
5. Camila Marques - Santa Luzia
6. Camila Polyane - Santa Izabel
7. Célia Gomes - Santa Rita
8. Christian Paes - São Cristóvão
9. Cristiane Cangussú - São Jorge
10. Cínthia Freitas - São Luís
11. Fabrícia Rodrigues - Santa Terezinha
12. Joyce Kelle - São Francisco de Assis
13. Karoline Batista - Santo Antônio
14. Larissa Antunes - São Geraldo
15. Luiz Guilherme - São Miguel
16. Maria Mercês - Santo Expedito
17. Maria Fernanda - Santa Ana
18. Marcos - São Sebastião
19. Marília Maria - São Pedro
20. Patrícia Figueiredo - São Geraldo
21. Poliana Sandra - São Cipriano
22. Pollyana Passos - Santa Mônica
23. Shayara Ferrari - Santa Margarida
24. Sônia Pereira Dias - São Lázaro
25. Rayane Arantes - Santa Catarina
O termo hagiografia é de origem grega (hagios - santo; grafia - escrita). Hagiografia seria como uma “biografia”, que consiste na descrição da vida – milagres – morte – canonização – culto de algum santo, beato, virgem, um abade ou demais servos de Deus proclamados por algumas igrejas cristãs, devido a sua vida e pela prática de virtudes cristãs. É o ramo da História da Igreja dedicado à vida e culto dos santos. Também esse estudo é visto em outras religiões como Budismo e Islamismo, acerca de homens e mulheres cujas biografias interessam ao culto ou à crença dos mesmos.
Quem nunca buscou um bom livro sobre a vida dos santos ou daquele de devoção? Quem fez pesquisas em busca da história de vida deste ou daquele santo, para conhecê-lo ou divulgá-lo, com certeza utilizou textos hagiográficos.
Historicamente, podemos situar o uso desse termo a partir do século XVII, quando foi iniciado sistematicamente o estudo sobre os santos, sua vida e culto. Todavia, esse tipo de estudo é muito anterior. Esse tipo de literatura tem início ainda na Antiga Igreja (30-313), quando, a partir de documentos oficiais romanos ou do relato de testemunhas oculares, eram registrados os suplícios dos mártires da Igreja Primitiva. Alguns desses escritos eram trocados pelas comunidades cristãs visando divulgar as ações e a vida dessas pessoas. Ao longo da Idade Média (476-1453) foi consolidada e ampliada, com a expansão do cristianismo e a difusão do culto aos santos. A partir do século XVII foi amplamente divulgada e aprofundada.
Podemos considerar como textos hagiográficos os martirológios e necrológios (catálogos contendo a forma e a data de morte), revelações (aparições, visões, sonhos ou escritos inspirados), vidas dos santos, tratados de milagres, processos de canonização, relatos de trasladação, além de lendas e tradições.
Poucas vezes vemos os santos como autores de tais textos biográficos. Assim, o autor ou autores da obra buscam realçar os grandes escritos, as supostas qualidades extraordinárias da pessoa, a vivência da fé, possíveis milagres e as suas grandes obras.
Existem livros muitos conhecidos, os quais assinalam a vida dos Santos, tais como:
“Legenda Áurea – Vida de Santos”, do autor: Jacopo de Varazze (1226-1298)
Livro foi escrito no século XIII, um clássico da literatura religiosa que alcançou muita popularidade ao longo dos séculos. O objetivo imediato do autor era fornecer aos frades da época, um bom material para a elaboração de sermões, de modo a proporcionar uma pregação mais eficiente. A coletânea conheceu enorme sucesso na Idade Média e se tornou referência nos estudos religiosos. Juntamente com a Bíblia, ele serviu de fonte para pinturas e desenhos sacros. No livro, vemos a história dos Apóstolos e de mais de 140 santos, como Santo Antônio, Francisco de Assis, São João Batista e São Sebastião.
“O Livro dos Mártires”, do autor Jonh Foxe (1517-1587)
A primeira edição deste livro foi publicada em 1559, em latim. Após a entronização da protestante rainha Elizabeth, Foxe voltou à Inglaterra. A tradução inglesa do seu livro foi editada em 1563, sob o título The Actes and Monuments of These Latter and Perilous Dayes. Ficou conhecido popularmente como o Livro dos Mártires, título que permaneceu ao longo dos séculos. O livro reconta as vidas, os sofrimentos, e as mortes triunfantes dos mártires cristãos da história. Ele assinala o a vida e martírio de Jesus, de alguns Apóstolos, de líderes de heresias medievais e de membros da chamada Reforma Protestante... O texto possui a estrutura hagiográfica, contudo, grande parte de seu conteúdo é questionado pela Igreja Católica Romana. O Livro dos Mártires moldou por séculos a consciência religiosa da Inglaterra.
Conclui-se que a maior finalidade dos textos hagiográficos é pedagógica, ou seja, ensinar e edificar os cristãos na fé. Também divulgam os ensinamentos oficiais da Igreja, mostrando manifestações divinas, os valores e virtudes cristãs no exemplo de vida dessas pessoas, propagando seus feitos a todos aqueles que possam ser espelhados por eles. Tais escritos ampliam o culto aos santos e faz com que mais e mais pessoas passem a aprofundar sua Fé, crer mais no poder de Deus e também de participar de Templos e Mosteiros que os têm como padroeiros, por exemplo.
Pesquise a hagiografia dos santos abaixo, de acordo com cada acadêmico.
1. Amanda Gusmão - Santa Cecília
2. Amanda Oliveira - São Judas Tadeu
3. Ana Cláudia - Santa Edwirgens
4. Anne Francielle - São Paulo
5. Camila Marques - Santa Luzia
6. Camila Polyane - Santa Izabel
7. Célia Gomes - Santa Rita
8. Christian Paes - São Cristóvão
9. Cristiane Cangussú - São Jorge
10. Cínthia Freitas - São Luís
11. Fabrícia Rodrigues - Santa Terezinha
12. Joyce Kelle - São Francisco de Assis
13. Karoline Batista - Santo Antônio
14. Larissa Antunes - São Geraldo
15. Luiz Guilherme - São Miguel
16. Maria Mercês - Santo Expedito
17. Maria Fernanda - Santa Ana
18. Marcos - São Sebastião
19. Marília Maria - São Pedro
20. Patrícia Figueiredo - São Geraldo
21. Poliana Sandra - São Cipriano
22. Pollyana Passos - Santa Mônica
23. Shayara Ferrari - Santa Margarida
24. Sônia Pereira Dias - São Lázaro
25. Rayane Arantes - Santa Catarina
terça-feira, 2 de março de 2010
Atividades Letras da Funorte
1. Leia o Plano de Ensino e teça comentários.
2. Leia o texto Romantismo e Faça um conceito para o termo romântico.
3. Fale da diversidade e unidade do romantismo europeu.
4. Fale do idealismo alemão e o romântico.
5. Quem é Prometeu?
6. Fale sobre a religiosidade romântica.
7. Quais são as características do Romantismo?
Para o 4º Período Letras da Unimontes...
Questões Propostas
I – Leia o Plano de Ensino e teça comentários acerca dos objetivos gerais e específicos;
II – Leia o texto Periodização Literária e comente as três eras dispostas na subdivisão da História Literária;
III – III – Visite estes dois links abaixo e conheça o melhor da crítica de cinema (em ordem alfabética, basta clicar) em torno de filmes que trazem para o debate a sociedade, a história e as manifestações literárias do medievo. – Escolha dois nomes de filmes , cuja temática seja Idade Média (novelas de cavalarias, inquisição, religiosidade, cruzadas, cavaleiros medievais, távola redonda, misticismo, etc).
http://www.cranik.com/cruzada.html http://www.interfilmes.com/filme_14993_Cruzada-(Kingdom.of.Heaven).html
IV – Faça uma exposição acerca da narrativa do filme Cruzada observando os aspectos comentados em sala de aula.
I – Leia o Plano de Ensino e teça comentários acerca dos objetivos gerais e específicos;
II – Leia o texto Periodização Literária e comente as três eras dispostas na subdivisão da História Literária;
III – III – Visite estes dois links abaixo e conheça o melhor da crítica de cinema (em ordem alfabética, basta clicar) em torno de filmes que trazem para o debate a sociedade, a história e as manifestações literárias do medievo. – Escolha dois nomes de filmes , cuja temática seja Idade Média (novelas de cavalarias, inquisição, religiosidade, cruzadas, cavaleiros medievais, távola redonda, misticismo, etc).
http://www.cranik.com/cruzada.html http://www.interfilmes.com/filme_14993_Cruzada-(Kingdom.of.Heaven).html
IV – Faça uma exposição acerca da narrativa do filme Cruzada observando os aspectos comentados em sala de aula.
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