sábado, 9 de abril de 2011

CANTIGAS TROVADORESCAS - III

ACADÊMICAS: Airanan Beatriz Soares de Oliveira e Cláudia Regina Oliveira Carvalho

Este trabalho tem como objetivo tratar das cantigas trovadorescas de amor, amigo, escárnio e maldizer, além de, analisar um exemplo de cada cantiga no período da Idade Média e no período Moderno.
Cantiga de Amor
A cantiga de amor é originária de Provença, no sul da França. O eu lírico presente nas cantigas de amor é masculino, e este se coloca em uma posição de vassalo diante da sua amada, que para ele é a sua suserana. O poeta se vale sempre de um amor cortes e impossível.
Geralmente o tema central é o sofrimento pelo amor da mulher exaltada, mulher essa que aparece como uma figura idealizada e distante. Durante a cantiga o poeta canta as qualidades da mulher amada e a trata como superior a ele, além de, cantar a dor de amar e de está sempre acometido do sentimento da “coita”, que significa sofrimento por amor. A relação estabelecida entre o eu lírico e a mulher amada é conhecida como vassalagem amorosa, é chamada assim porque reproduz a relação dos vassalos com os seus senhores feudais. O homem sofre durante toda a cantiga pela amada e jamais revela o seu nome.
É pertinente dizer que nas cantigas de amor do período medieval a amada é chamada de “senhor”, isso porque as palavras terminadas em “or” como senhor ou pastor, não existiam em galego-português no gênero feminino.
Cantiga de amor – Idade Média
El-Rei D. Dinis, CV 123, CBN 485
Quer'eu em maneira de proençal
fazer agora un cantar d'amor,
e querrei muit'i loar mia senhor
a que prez nen fremusura non fal,
nen bondade; e mais vos direi en:
tanto a fez Deus comprida de bem
que mais que todas las do mundo val.

Ca mia senhor quiso Deus fazer tal,
quando a faz, que a fez sabedor
de todo ben e de mui gran valor,
e con todo est'é mui comunal
ali u deve; er deu-lhi bon sen,
e des i non lhi fez pouco de ben,
quando non quis que lh'outra foss'igual.

Ca en mia senhor nunca Deus pôs mal,
mais pôs i prez e beldad'e loor
e falar mui ben, e riir melhor
que outra molher; des i é leal
muit', e por esto non sei oj'eu quen
possa compridamente no seu bem
falar, ca non á, tra-lo seu ben, al.

Nota-se os apelos do travador e como eles são colocados em um plano de espiritualidade, de idealidade e platônico, buscando sempre o amor da mulher amada. O amor, como assim tratado na cantiga acima, é sempre muito cortes, mas apesar de todo o cortejo, o sofrimento ainda é constante.
Cantiga de amor – Idade Moderna

Lourenço e Lourival, Cantiga de amor.
Ao receber o convite do seu casamento
Desmoronou meu castelo de sonhos ao vento
Nao pude crer que de você partiu essa maldade
Será que esqueceu que quem te mas sou eu
Meu amor é verdade
Eu lhe perdou por dizer que seu pai é o ocupado
Pois ele foi sempre contra o nosso noivado
E deu sua mão para outro no gesto apressado
Para nao permitir fosse ser mais feliz ao meu lado
Sem seu amor sou o homem mais pobre da terra
Sem carinho a vida se encerra
Sem seus beijos nao posso viver
O seu amor nesta vida é tudo que quero
Acredite meu bem sou sincero
Sem você sou capaz de morrer.
Apesar do tema central da cantiga de amor da idade moderna, ser o mesmo da cantiga de amor da idade média, que é o sofrimento pela mulher amada, atualmente os motivos pelo sofrimento se expandiram, hoje eles não se prendem somente ao amor impossível, mas também a traições, mentiras, etc. A cantiga acima ainda possui como característica o sofrimento pela mulher amada, o amor impossível e a relação do homem submisso perante a mulher, mas nem todas as cantigas de amor da atualidade carregam esses traços, como já foi dito, algumas expandiram os seus temas, inclusive podem chegar a tratar da superação do homem diante da rejeição que sofreu da mulher amada.

Cantiga de Amigo
A cantiga de amigo teve a sua origem na Península Ibérica e recebe esse nome porque na maioria das vezes a palavra amigo aparece no primeiro verso. A cantiga apresenta um eu lírico feminino, porém o autor é masculino.
Dentro da cantiga de amigo nós temos um autor, que coloca como personagem central um eu lírico feminino, que canta o seu amor pelo seu amigo. Em alguns casos existe um monólogo, em outros há um diálogo entre a mãe, a amiga, a irmã ou até mesmo com a natureza. A figura central é a de uma jovem que começa a amar e por vezes lembra da ausência do seu amado, ou então canta a sua alegria por causa de um encontro que teve com o seu homem. A cantiga de amigo também traz a tona a tristeza da mulher, isso porque o seu amado foi para a guerra ou para outro lugar distante. Os sentimentos são diversos, hora está alegre pela chegada do amigo, ou triste pela sua ausência, ou então ansiosa pelo seu regresso. O desejo de vingança e o ciúme também se fazem presentes.
O seu caráter em alguns casos é narrativo e descritivo e faz às vezes menção a vida campestre e do cotidiano das aldeias.
Cantiga de Amigo – Idade Média
Martin Codax, CV 884, CBN 1227
Ondas do mar de Vigo,
se vistes meu amigo!
E ai Deus, se verrá cedo!

Ondas do mar levado,
se vistes meu amado!
E ai Deus, se verrá cedo!

Se vistes meu amigo,
o por que eu sospiro!
E ai Deus, se verrá cedo!

Se vistes meu amado,
por que hei gran cuidado!
E ai Deus, se verrá cedo!
Como podemos notar essa cantiga carrega todas as caracaterísticas de uma cantiga de amigo, pois trata da espera de uma mulher pelo seu amado, que provavelmente está viajando, está distante. Observa-se também que nessa cantiga ela realiza um diálogo entre o mar e Deus, e que sofre com a ausência do seu amado. Essa cantiga é uma cantiga paralelistica, ou seja, alia a simplicidade de assuntos aos recursos semânticos. O esquema de repetitividade enriquece o sentido da cantiga.

Cantiga de Amigo – Idade Moderna
Ao longo dos anos, alguns poetas ainda procuram nas criações do período medieval inspiração para cantar os seus sentimentos amorosos, e é o que podemos ver na cantiga de amigo produzida por Natália Correia, que nasceu na Ilha de S. Miguel, em 1923 e morreu em Lisboa em, 1993.
Natália Correia, Cantigas de Amigo. O Sol nas Noites e o Luar nos Dias, II.
Ledo o meu amigo foi caçar no monte,
Disseram-me as aves que o esperasse na fonte.
Jovial o vento levou-me o vestido,
Soltou-me o cabelo. E o resto não digo.

Que o esperasse na fonte disseram-me as aves.
A brisa movia as águas suaves.
Jovial o vento levou-me o vestido,
Soltou-me o cabelo. E o resto não digo.

A brisa movia as águas na fonte,
Logo sossegaram vindo ele do monte.
Jovial o vento levou-me o vestido,
Soltou-me o cabelo. E o resto não digo.

Logo sossegaram as águas suaves.
Vindo ele do monte, cantaram as aves.
Jovial o vento levou-me o vestido,
Soltou-me o cabelo. E o resto não digo.
É visível a semelhança da cantiga de amigo da idade moderna com a cantiga de amigo da idade média. Os traços característicos são mantidos, o que é muito importante para a criação. O eu lírico feminino assim como na cantiga da idade média dialoga com a natureza e a traz como pano de fundo. Natália Correia não deixa a desejar na questão da simplicidade do ambiente, nem mesmo no assunto em questão, que é a espera da mulher pelo seu amado, que nessa cantiga nos dar a entender que está próximo de chegar.

Cantiga de Escárnio
Na cantiga de escárnio o eu – lírico faz uma crítica ou sátira a alguma pessoa ou sistema social, construindo a cantiga utilizando sutilmente indiretas, expressões de duplo sentido, trocadilhos, ironias. Geralmente neste tipo de cantiga a pessoa satirizada não é identificada.
Cantiga de Escárnio – Idade Média
Roi Queimado morreu con amor
en seus cantares, par Sancta Maria,
por Da dona que gran ben queria:
e, por se meter por mais trobador,
porque lhe ela non quis ben fazer,
feze-s'el en seus cantares morrer,
mais resurgiu depois ao tercer dia!
Esto fez el por üa sa senhor
que quer gran ben, e mais vos en diria:
por que cuida que faz i maestria,
enos cantares que faz, á sabor
de morrer i e des i d'ar viver;
esto faz el que x'o pode fazer,
mais outr'omem per ren' nono faria.
E non á já de sa morte pavor,
senon sa morte mais la temeria,
mais sabe ben, per sa sabedoria,
que viverá, des quando morto for,
e faz-[s'] en seu cantar morte prender,
des i ar vive: vedes que poder
que lhi Deus deu, mais que non cuidaria.
E, se mi Deus a mim desse poder
qual oj'el á, pois morrer, de viver,
já mais morte nunca temeria.
Pero Garcia Burgalês, CV 988, CBN 1380
Podemos perceber neste exemplo acima que a sátira feita pelo trovador é composta de elementos ambíguos, característica própria da cantiga de escárnio.

Cantiga de Escárnio – Idade Moderna
Cálice – Chico Buarque de Holanda
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...(2x)
Como beber
Dessa bebida amarga
Tragar a dor
Engolir a labuta
Mesmo calada a boca
Resta o peito
Silêncio na cidade
Não se escuta
De que me vale
Ser filho da santa
Melhor seria
Ser filho da outra
Outra realidade
Menos morta
Tanta mentira
Tanta força bruta...
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...
Como é difícil
Acordar calado
Se na calada da noite
Eu me dano
Quero lançar
Um grito desumano
Que é uma maneira
De ser escutado
Esse silêncio todo
Me atordoa
Atordoado
Eu permaneço atento
Na arquibancada
Prá a qualquer momento
Ver emergir
O monstro da lagoa...
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...
De muito gorda
A porca já não anda
(Cálice!)
De muito usada
A faca já não corta
Como é difícil
Pai, abrir a porta
(Cálice!)
Essa palavra
Presa na garganta
Esse pileque
Homérico no mundo
De que adianta
Ter boa vontade
Mesmo calado o peito
Resta a cuca
Dos bêbados
Do centro da cidade...
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...
Talvez o mundo
Não seja pequeno
(Cale-se!)
Nem seja a vida
Um fato consumado
(Cale-se!)
Quero inventar
O meu próprio pecado
(Cale-se!)
Quero morrer
Do meu próprio veneno
(Pai! Cale-se!)
Quero perder de vez
Tua cabeça
(Cale-se!)
Minha cabeça
Perder teu juízo
(Cale-se!)
Quero cheirar fumaça
De óleo diesel
(Cale-se!)
Me embriagar
Até que alguém me esqueça
(Cale-se!)
Nesta canção Chico Buarque faz uma critica velada a censura imposta pelo sistema militar durante os anos de ditadura no Brasil, que tirou a liberdade de expressão dos jornais, artistas e cidadãos da época.

Cantiga de Maldizer
A cantiga de maldizer é uma critica ou sátira feita pelo eu – lírico a uma pessoa ou sistema, porém, ao contrario da cantiga de escárnio, neste tipo de cantiga a sátira é feita de forma direta, grosseiramente, sem expressões de duplo sentido, havendo agressão verbal e podendo até conter palavrões, ou seja. A identidade da pessoa ou sistema satirizado pode ou não ser revelada.

Cantiga de Maldizer – Idade Média
Ai dona fea! Fostes-vos queixar
Porque vos nunca louv' en meu trobar
Mais ora quero fazer un cantar
En que vos loarei toda via;
E vedes como vos quero loar:
Dona fea, velha e sandia!

Dona fea! Se Deus me pardon!
E pois avedes tan gran coraçon
Que vos eu loe, en esta razon,
Vos quero ja loar toda via;
E vedes qual será a loaçon:
Dona fea, velha e sandia!

Dona fea, nunca vos eu loei
En meu trobar, pero muito trobei;
Mais ora ja un bon cantar farei
En que vos loarei toda via;
E direi-vos como vos loarei:
Dona fea, velha e sandia!
— Ai dona fea! Fostes-vos queixar,

João Garcia de Guilhade

Cantiga de Maldizer – Idade Moderna
Que país é esse – Renato Russo
Nas favelas, no senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
No Amazonas, no Araguaia iá, iá,
Na Baixada Fluminense
Mato Grosso, nas Gerais e no
Nordeste tudo em paz
Na morte eu descanso, mas o
Sangue anda solto
Manchando os papéis, documentos fiéis
Ao descanso do patrão
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Terceiro mundo se for
Piada no exterior
Mas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas
Dos nossos índios num leilão
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Podemos perceber que a música acima é composta por características da cantiga de maldizer, já que o compositor Renato Russo faz uma critica direta ao Brasil e o comportamento de sua população, sem utilizar indiretas e expressões de duplo sentido

REFERÊNCIAS:

Disponível em: . Acesso em: 4 de abril de 2011
Disponível em: Literatura. As cantigas de Amor. Acesso em: 4 abril 2011
Disponível em: Artes literatura. Trovadorismo. Acesso: 4 abril 2011
Disponível em: Matéria. Cantigas de Amor. Acesso: 4 abril 2011
Disponível em: . Acesso em: 4 de abril de 2011

2 comentários:

  1. me ajudou muito a falar da cantiga de amigo em uma apresentação que vou fazer na faculdade
    obrigaduuuuuuuu

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Agradecida,
Profa. Generosa Souto