sábado, 9 de abril de 2011

CANTIGAS TROVADORESCAS - V

MILCA ARAÚJO CAMPOS, VIVIANE RODRIGUES RIBEIRO

As Cantigas Trovadorescas

As cantigas de amor, amigo, escárnio e maldizer tiveram sua origem na Península Ibérica durante o período medieval marcado pelas Cruzadas e pelo feudalismo. Tratavam de composições dos chamados trovadores e que eram entoadas por homens do povo em suas procissões ao som de flauta, viola e alaúde. Com o objetivo de analisar as características temáticas das cantigas e a presença destas em algumas músicas atuais será estabelecendo um paralelo entre ambas.
As cantigas de amor são caracterizadas por ter o eu - lírico masculino o qual declara o seu amor por uma donzela que é superior a ele, por isso a sua posição é a de vassalo. A figura feminina é linda, pura, divina e inatingível. Esta última característica está relacionada ao fato da dama pertencer à nobreza ao contrário da amante o que torna impossível a concretização do amor.

Ai eu coitad! E por que vi
a dona que por meu mal vi!
Ca Deus lo sabe, poila vi,
nunca já mais prazer ar vi;
ca de quantas donas eu vi,
tam bõa dona nunca vi.

Tam comprida de todo bem,
per boa fé, esto sei bem,
se Nostro Senhor me dê bem
dela! Que eu quero gram bem,
per boa fé, nom por meu bem!
Ca pero que lh’eu quero bem,
non sabe ca lhe quero bem.

Ca lho nego pola veer,
pero nona posso veer!
Mais Deus, que mi a fezo veer,
rogu’eu que mi a faça veer;
e se mi a non fazer veer.
sei bem que non posso veer
prazer nunca sem a veer.

Ca lhe quero melhor ca mim,
pero non o sabe per mim,
a que eu vi por mal de mi[m].

Nem outre já, mentr’ eu o sem
houver; mais s perder o sem,
dire[i]-o com mingua de sem;

Ca vedes que ouço dizer
que mingua de sem faz dizer
a home o que non quer dizer!

Nessa cantiga nota-se o sofrimento do eu lírico masculino por não poder tornar real o seu amor com a amada, por isso usa o termo coitad (coitado). Além disso, nota-se a exaltação da dama retratada nos versos: “ca de quantas donas eu vi,/ tam bõa dona nunca vi.” Aspectos que caracteriza a cantiga com de amor.

Beatriz
Chico Buarque
Composição : Edu Lobo/Chico Buarque
Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Olha
Será que ela é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz
Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se o arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida

Também na música de Chico Buarque é possível notar aspectos semelhantes às cantigas de amor medievais. Há a construção idealizada da figura feminina pelo eu - lírico que tenta compara-la a diversos elementos, como nos versos: Será que é uma estrela/Será que é mentira/Será que é comédia/Será que é divina. Porém, não consegue definir a amada com nenhum destes termos, parece que ela é tão sublime a ponto de não ser possível descreve-la. Destaca-se, além disso, o lado inatingível do amor com o verso: “E se eu pudesse entrar na sua vida”.
Diferentemente da cantiga de amor a de amigo possui um eu lírico feminino, apesar de maioria ser de autoria masculina, que declara a sua mãe, irmã ou a elementos da natureza o seu amor pelo amado que está longe. Este fato tem relação com as cruzadas que levavam os homens à guerra em lugares distantes de sua região de habitação. Sendo assim, essas composições são marcadas pela não realização do amor devido a distancia que separa os apaixonados.

Non poss’ eu, madre, ir a Santa Cecília
ca me guardades a noit’ e o dia
do meu amigo

Nom poss’ eu, madre, aver gasalhado,
ca me non leixades fazer mandado
do meu amigo.

Ca me guardades a noit’ e o dia;
morrer-vos-ei con aquesta perfia
por meu amigo.

Ca me non leixades fazer mandado,
morrer-vos ei con aqueste cuidado
por meu amigo.

Morrer-vos ei con aquesta perfia,
e, se me leixassedes ir, guarria
con meu amigo.

Morrer-vos ei con aqueste cuidado,
e, se quiserdes, irei mui de grado
con meu amigo.

Na cantiga acima percebe se o diálogo da filha com a mãe no qual ela declara o seu amor e necessidade que tem de encontrar o amor citado como amigo.


Onde Estará O Meu Amor
Maria Bethânia
Composição : Chico César
Como esta noite findará
E o sol então rebrilhará
Estou pensando em você...
Onde estará o meu amor?
Será que vela como eu?
Será que chama como eu?
Será que pergunta por mim
Onde estará o meu amor?
Se a voz da noite responder
Onde estou eu, onde está você
Estamos cá dentro de nós
Sós...
Onde estará o meu amor?
Se a voz da noite silenciar
Raio de sol vai me levar
Raio de sol vai lhe trazer
Onde estará o meu amor?
Na composição de Chico César note-se, como nas cantigas de amigo, a presença de elemento da natureza com os quais o eu lírico expõem o seu saudosismo, fruto da distancia da pessoa amada. Sendo que a natureza é colocada como um meio de ter contato com quem está longe, veja os versos: Se a voz da noite silenciar/Raio de sol vai me levar/Raio de sol vai lhe trazer.
Já a cantiga de escárnio tem por temática ridicularizar uma pessoa, ou grupo social. A sátira é feita de forma indireta e irônica, há o uso de linguagem ambígua.

Ai, dona fea, foste-vos queixar
que vos nunca louv[o] em meu cantar;
mas ora quero fazer um cantar
em que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!

Dona fea, se Deus vos pardom,
pois avedes [a] tam gram coraçom
que vos eu loe, em esta razom
vos quero ja loar toda via;
e vedes qual sera a loaçom:
dona fea, velha e sandia!

Dona fea nunca eu vos loei
em meu trobar, pero mui trobei;
mais ora ja um bom cantrar farei,
em que vos loarei toda vai;
e direi-vos como vos loarei:
dona fea, velha e sandia!

Essa cantiga apresenta uma crítica do eu lírico para a mulher que desejava ser cantada por ele tal como ele fazia com as outras, entretanto “Dona Fea” não tinha esse privilégio, pois na visão do eu - lírico era uma mulher velha e sandia (maluca).

Cálice
Chico Buarque
Composição : Chico Buarque e Gilberto Gil
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...(2x)
Como beber
Dessa bebida amarga
Tragar a dor
Engolir a labuta
Mesmo calada a boca
Resta o peito
Silêncio na cidade
Não se escuta
De que me vale
Ser filho da santa
Melhor seria
Ser filho da outra
Outra realidade
Menos morta
Tanta mentira
Tanta força bruta...
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...
Como é difícil
Acordar calado
Se na calada da noite
Eu me dano
Quero lançar
Um grito desumano
Que é uma maneira
De ser escutado
Esse silêncio todo
Me atordoa
Atordoado
Eu permaneço atento
Na arquibancada
Prá a qualquer momento
Ver emergir
O monstro da lagoa...
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...
De muito gorda
A porca já não anda
(Cálice!)
De muito usada
A faca já não corta
Como é difícil
Pai, abrir a porta
(Cálice!)
Essa palavra
Presa na garganta
Esse pileque
Homérico no mundo
De que adianta
Ter boa vontade
Mesmo calado o peito
Resta a cuca
Dos bêbados
Do centro da cidade...
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...
Talvez o mundo
Não seja pequeno
(Cale-se!)
Nem seja a vida
Um fato consumado
(Cale-se!)
Quero inventar
O meu próprio pecado
(Cale-se!)
Quero morrer
Do meu próprio veneno
(Pai! Cale-se!)
Quero perder de vez
Tua cabeça
(Cale-se!)
Minha cabeça
Perder teu juízo
(Cale-se!)
Quero cheirar fumaça
De óleo diesel
(Cale-se!)
Me embriagar
Até que alguém me esqueça
(Cale-se!)

Esta música escrita no período militar do Brasil que estabeleceu a censura faz um jogo com o lingüístico e o musical quando usa o termo “cálice” que tem uma semelhança sonora com “cale-se”, ironizando a censura. Também deve se ressaltar a alusão a religião cristã como um recurso que tornava o discurso indireto.

As cantigas de maldizer seguem a mesma temática das de escárnio, no entanto, se caracterizam por sua sátira ser direta, com a intenção de difamar. Por isso, faz uso de termos vulgares. Podem abordar também os vícios sexuais dos satirizados.
Uã donzela coitado
d' amor por si me faz andar
e en sas feituras falar
quero eu, come namorado:
restr’ agudo come foron,
barva no queix' e no granhon,
e o ventre grand' e inchado.

Sobrancelhas mesturadas,
grandes e mui cabeludas,
sobre-los olhos merjudas;
e as tetas pendoradas
e mui grandes, per boa fé;
á un palm’ e meio no pé
e no cós três plegadas.

A testa ten enrugada
E os olhos encovados,
dentes pintos come dados...
e acabei, de passada.
Atal a fez Nostro Senhor:
mui sen doair' e sen sabor,
des i mui pobr’ e forçada.

Nota-se nessa cantiga que a figura feminina é ridicularizada pelo trovador que expõem as suas deformidades “A testa ten enrugada /E os olhos encovados, /dentes pintos come dados...” . Há o desprezo pela sua posição social “des i mui pobr’ “, além de uma exposição sexual, segundo Michelli, quando é usado o termo “e forçada” indicando que já foi forçada, expondo aspectos de foro íntimo.

Brasil Corrupção
Ana Carolina e Seu Jorge
Composição : Ana Carolina E Tom Zé
Neste Brasil corrupção
pontapé bundão
puto saco de mau cheiro
do Acre ao Rio de Janeiro
Neste país de manda-chuvas
cheio de mãos e luvas
tem sempre alguém se dando bem
de São Paulo a Belém
Pego meu violão de guerra
pra responder essa sujeira
E como começo de caminho
quero a unimultiplicidade
onde cada homem é sozinho
a casa da humanidade
Não tenho nada na cabeça
a não ser o céu
não tenho nada por sapato
a não ser o passo
Neste país de pouca renda
senhoras costurando
pela injustiça vão rezando
da Bahia ao Espírito Santo
Brasília tem suas estradas
mas eu navego é noutras águas
E como começo de caminho
quero a unimultiplicidade
onde cada homem é sozinho
a casa da humanidade
Esta musica critica o “mensalão” um escândalo de corrupção no Brasil. Tem aspectos da cantiga de maldizer por sua critica ser direta e pelo uso de palavras de baixo calão: “Neste Brasil corrupção/ pontapé bundão/puto saco de mau cheiro”.
Conclui-se a partir do paralelo aqui estabelecido que as temáticas abordadas em cantigas medievais são também fonte de inspiração a compositores de musicas atuais pela universalidade dos temas. O homem sendo um ser social e, portanto comunicativo sempre terá a necessidade de falar sobre os sentimentos que tem seja bons ou ruins. Por isso, há sempre espaço para refletir sobre o amor e para contestar fatos ou elementos desagradáveis. Sendo assim, tanto as cantigas tanto as composições atuais trata de meio artístico que o homem utiliza para expressar.


REFERÊNCIAS:
www.filologia.org.br/pub.../sliit02_99-109.html
http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=43571&cat=Artigos&vinda=S
http://www.gargantadaserpente.com/historia/trovadorismo/satirico.shtml

3 comentários:

  1. muito bom esse site,descobri hoje,e me ajudou muito com um trabalho da escola,principalmente pra mim fazer a conclusão porque este site explica tudo direitinho.

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  2. UAAAAAAAAAAAU!MUITO BOM O SITE

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  3. Muuito bom mesmo! Me ajudou bastante, em questão das músicas o/

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